Não dá para dizer que o cineasta e roteirista francês Mikhaël Hers está em início de carreira porque seu primeiro curta-metragem tem duas décadas. Dos cinco longas, apenas dois passaram pelos cinemas brasileiros e estão disponíveis em streaming, Amanda (2018) e o recente Noites de Paris (2022).
A presença no primeiro de Vincent Lacoste, sensação da nova safra francesa, despertou a atenção do público, que se deixou comover pela delicadeza com que o cineasta se debruça sobre as relações humanas em momentos de crise. Não estranha que o enredo de Noites de Paris tenha atraído a consagrada Charlotte Gainsbourg. A musa de Lars von Trier em Anticristo (2009), Melancolia (2011) e Ninfomaníaca (2013) abaixa o tom em uma performance contida, como sua personagem.
Tanto Amanda quanto Noites de Paris são histórias de recomeços e reajustes, de encontros e reencontros com o outro e com si próprio. Uma movimentada pelo luto da morte, outra pelo luto da separação. E ambas valorizam a troca entre gerações. O que mais salta aos olhos, e toca o coração, no cinema de Hers é o afeto que permeia suas narrativas. É uma cinematografia construtiva, que merece ser descoberta pelo grande público. Confira a seguir as críticas dos filmes, com os atalhos para as plataformas de streaming.
Drama

Noites de Paris/Les passagers de la nuit
As ruas de Paris estão tomadas pelos eleitores de François Mitterrand, que comemoram a vitória no pleito para a presidência da França, em 1981. A volta da esquerda ao poder no país após duas décadas marca também a mudança da família de Elisabeth (Charlotte Gainsbourg) para a Cidade Luz. Quando a câmera a focaliza novamente, três anos se passaram e o rosto da protagonista é de amargura. Recém-separada do marido, ela recebe o apoio do pai. Os filhos adolescentes, porém, agem como um dia qualquer.
O título de Noites de Paris é uma versão infeliz do original em francês, Les Passagers de la Nuit (Os Passageiros da Noite), nome do programa de rádio que vara as madrugadas parisienses, e onde Elisabeth tem sua primeira experiência profissional. Vanda (Emmanuelle Béart), a âncora, explica que sua função é atender aos telefonemas, estabelecer vínculos com os ouvintes e filtrar os que terão suas experiências compartilhadas ao vivo. É de empatia que trata o diretor e corroteirista Mikhaël Hers. E do instinto maternal que leva Elisabeth a abrigar Talulah (Noée Abita), jovem da idade de seus filhos que participa do programa, e se encontra em situação de vulnerabilidade.
Assim como em Amanda (2018), em que Vincent Lacoste cuida da pequena sobrinha que ficou órfã, o cineasta contrapõe duas gerações e posiciona sua câmera sensível para observar uma via dupla de aprendizados. De formas diferentes, a presença da jovem problemática afeta também o casal de filhos de Elisabeth, a primogênita Judith (Megan Northam) e Mathias (Quito Rayon Richter), que se enamora da hóspede. À empatia e ao afeto o cineasta adiciona o tempo, que aqui percorre quase uma década. Sem rompantes, ele atenua a dor, amadurece, transforma, cria novos ritmos e arranjos na vida dos personagens.
Naqueles anos 1980, ainda às vésperas da revolução tecnológica, o tempo parece durar mais. Imagens granuladas reforçam a sensação de “antiguidade”, os figurinos são prova de como a moda é cíclica, e a trilha sonora provoca agradável nostalgia. Talvez haja um excesso de passageiros nessas Noites de Paris, porque o diretor se mantém à superfície. Ou talvez fosse essa sua intenção, de incitar o espectador a preencher as lacunas com os próprios sentimentos.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Noites de Paris/Les passagers de la nuit
Direção: Mikhaël Hers
Duração: 108 minutos
PaÃs de Produção/Ano: França, 2022
Elenco: Charlotte Gainsbourg, Quito Rayon Richter, Noée Abita, Emmanuelle Béart
Distribuição: Vitrine Filmes
Drama

Amanda
Vincent Lacoste (Primeiro Ano) é um dos mais badalados atores da nova geração do cinema francês. Aos 29 anos, já recebeu cinco indicações ao César (o Oscar da França), uma delas por Amanda, e saiu vitorioso por Ilusões Perdidas. O que esse moço faz em cena é fenomenal, uma aula de atuação.
Ele é o protagonista, David, que vive de bicos em Paris. Atualmente atua na poda de árvores e no aluguel de imóveis por temporada. Seu ponto de apoio é a irmã mais velha, Sandrine (Ophélia Kolb), mãe solteira da fofíssima Amanda (Isaure Multrier), que tem 7 anos. Na seara romântica, acaba de engatar um namoro com Léna (Stacy Martin, A Casa Sombria), vizinha de prédio. Da família, sabe-se que o pai morreu e a mãe, que vive em Londres, abandonou os irmãos ainda pequenos.
David toca a rotina sem maiores atropelos, até que um evento repentino e brutal coloca Amanda sob sua total responsabilidade. Esse rapaz boa-praça enfrenta uma prova de fogo, e Lacoste leva seu personagem para lugares emocionais que só os grandes atores são capazes de alcançar. O riso e o choro vêm do âmago e deixam o espectador engasgado com tamanha autenticidade.
O diretor e corroteirista Mikhaël Hers injeta teor político e social em uma cena crucial, e transforma o enredo simples em uma sofisticada narrativa circular. Amanda abre com diálogos e situações corriqueiras que ganham magnitude e sentido em um fechamento primoroso, durante uma partida de tênis. Pura ternura.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Amanda
Direção: Mikhaël Hers
Duração: 107 minutos
PaÃs de Produção/Ano: França, 2018
Elenco: Vincent Lacoste, Isaure Multrier, Stacy Martin, Claire Tran, Greta Scacchi
Distribuição: Imovision