No Lugar da Outra

Mulher mata namorado com cinco tiros à queima-roupa. Seria mais uma manchete policial, não tivesse ocorrido no restaurante do luxuoso Hotel Crillón, frequentado pela alta-sociedade chilena na década de 1950. Quem sacou a pistola foi María Carolina Geel (1913-1996), popular escritora que nunca explicou suas motivações para o crime. A diretora e roteirista Maite Alberdi se inspira na história real e no livro As Homicidas, de Alia Trabucco Zerán, para criar Mercedes, a fictícia protagonista de No Lugar da Outra. Um delicado debruçar sobre anseios femininos, a produção da Netflix é a aposta do Chile para uma vaga no Oscar 2025 de Filme Internacional.

Mercedes surge no rebuliço policialesco que envolve a prisão e o julgamento da escritora. Secretária do juiz responsável pelo caso, ela divide a agitada e midiática rotina no trabalho com as funções de mãe e dona de casa. O marido e os dois filhos são gente humilde e do bem, apesar de exemplares típicos do patriarcado. O que faz a cineasta é materializar o desejo dessa mulher por uma realidade que lhe é onírica. Com María Carolina (Francisca Lewin) condenada, Mercedes tem acesso à chave do apartamento da ré, e ali veste a pele da  intelectual independente e sofisticada por quem não esconde o fascínio.

Não se trata de assumir a identidade de ninguém, mas de deixar aflorar uma face reprimida pelo conformismo. Interpretada com sutileza por Elisa Zulueta, a personagem usa uma máquina fotográfica para eternizar com luz, forma e cor o efêmero multiverso que cria para si durante o tempo que passa na casa da outra.

A narrativa não tem grandes reviravoltas, a não ser o inusitado e histórico perdão concedido à assassina pelo então presidente Carlos Ibáñez del Campo. Ele sucumbiu ao clamor popular e, especialmente, à intervenção da poetisa Gabriela Mistral, Nobel de Literatura em 1945. Teria sido o crime fruto da (supostamente) debilitada saúde mental de María Carolina ou uma engenhosa jogada de marketing? Porque o livro escrito na reclusão, Cárcel de Mujeres, revigorou sua carreira.

Não há juízo de valor no olhar da cineasta, que observa com certo humor as duas mulheres, cada uma à sua maneira, conquistar a liberdade. No Lugar Dela é sua primeira incursão na ficção, depois de concorrer ao Oscar pelos documentários Agente Duplo (2020) e A Memória Infinita (2023). Maite Alberti é autora humanista, que emociona pelo equilíbrio dramático na abordagem de temas sensíveis como a opressão feminina, a solidão na terceira idade e o Alzheimer. Uma carreira para se acompanhar de perto.

Ficha Técnica

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