Para celebrar o Dia Nacional do Orgulho Gay, neste 25 de março, nada melhor do que três olhares cinematográficos sobre o amor homossexual.
Seja com a delicadeza da produção nacional Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, com o escracho calculado da comédia Lar Ideal ou com a paixão contida de Desobediência, o importante é reconhecer, com orgulho, as conquistas igualitárias que os filmes iluminam.
A gente quer ser – e que todo mundo seja – feliz.
Drama

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho
Por SUZANA UCHÔA ITIBERÊ
Foram dezenas de prêmios pelo mundo afora. No Festival de Berlim 2014, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho teve vitória dupla: troféu da Federação Internacional de Críticos de Cinema (Fipresci) como o melhor filme da mostra Panorama, e o Teddy Awards, como melhor filme de temática GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros). O cineasta Daniel Ribeiro (série Todxs Nós) inspirou-se no próprio curta-metragem, Eu Não Quero Voltar Sozinho, estrelado pelos mesmos atores. Mas não é um esticadinho.
Sem o limite de tempo, Ribeiro alinhava melhor o enredo e retrata o universo juvenil com notável desembaraço. Temas clichês como bullying e rebeldia são explorados com delicadeza, mas é no retrato da descoberta da sexualidade que o diretor refuta a mesmice. Leonardo (Ghilherme Lobo, Divaldo: O Mensageiro da Paz) é cego. Amigo inseparável de Giovana (Tess Amorim, Sequestro Relâmpago), ele trava vínculo com um novo colega de escola, Gabriel (Fabio Audi, Vou Nadar Até Você).
A questão maior desse rito de passagem é complexa: como uma pessoa cega define sua sexualidade? Ribeiro retrata o primeiro amor como um processo natural, desvinculado da atração física (afinal, Leonardo não enxerga), mas fruto da afinidade e de certa química para a qual não se tem explicação. Através de Leonardo, ele mostra que a homossexualidade não é uma escolha, mas um sentimento. Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é um grito terno contra a homofobia.
Quem se apaixonar pelo filme pode tê-lo em casa. Além de estar disponível nas principais plataformas de streaming, acaba de ser relançado em DVD e Blu-ray na loja digital da Imovision.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Hoje Eu Quero Voltar Sozinho
Direção: Daniel Ribeiro
Duração: 96 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Brasil, 2014
Elenco: Ghilherme Lobo, Fabio Audi, Tess Amorim, Eucir de Souza, Selma Egrei
Distribuição: Vitrine Filmes
Comédia Dramática

Lar Ideal/Ideal Home
Por FÁTIMA GIGLIOTTI
Nos anos 1990, com Três Formas de Amar, o diretor e roteirista Andrew Fleming (Emily in Paris) chacoalhou os clichês da comédia romântica ao apimentar o triângulo amoroso entre dois amigos da faculdade e uma estudante que, por engano, foi designada para ficar no mesmo quarto. Para a época, era uma proposta ousada não apenas pela sugestão da sensualidade num grau acima do habitual, mas pelo componente homossexual da paixão a três.
Nos 23 anos entre as filmagens de Três Formas de Amar e Lar Ideal, muitas águas passaram sob a ponte da discriminação de gênero, e o amor gay conquistou representatividade nas telonas e telinhas. Para o diretor, 23 é também o tempo de convivência entre ele e seu parceiro, cujo filho de um relacionamento anterior foi educado pelo casal. Foi inspirado pela própria experiência que Fleming escreveu e dirigiu o filme, que lhe consumiu uma década de gestação.
Nele, Erasmus Brumble (Steve Coogan, Greed: A Indústria da Moda) e Paul (Paul Rudd, série Cara x Cara) são um casal à beira de uma disfarçada crise de nervos. Eles encontram uma razão para continuar juntos quando o neto pequeno de Erasmus, Angel/Bill (Jack Gore), é enviado pelo pai, preso por porte de drogas e prostituição, para ficar com eles. A partir daí, não há muita novidade no desenrolar da trama, que passa pela adaptação dos três à nova configuração familiar, ao retorno do garoto aos cuidados do pai e da crise do casal, no caminho de um terceiro ato mais amigável.
Muito mais importante é a maneira como o cineasta conta essa história, que surpreende, seduz e diverte sem esquecer de sugerir algumas reflexões. Já nos créditos iniciais, ele conta ao que veio, com cenas de Erasmus gravando o programa de culinária e estilo de vida que apresenta na TV, produzido por Paul. Cores estouradas, figurinos esdrúxulos, badulaques e adereços pulando na tela, com um Erasmus maquiado, vaidoso e controlador querendo parecer um caubói autêntico.
O estranhamento é proposital, engraçado e inaugura uma narrativa entre a paródia e o clichê. O casal vive em um castelo de contos de fadas gay nas redondezas da interiorana e desértica Santa Fé. Erasmus é a celebridade local, o “artista” desligado e desbocado, exagerado e ensimesmado, que deixa para Paul a incumbência de descer o portão sobre o fosso que os separa das responsabilidades do cotidiano – e da educação do novo membro da família.
Isso tudo se constrói com situações e diálogos bem-humorados, que destilam ironia ao senso comum, e devem muito à composição dos adoráveis Steve Cougan e Paul Rudd. Não deixa de ser problemático e delicado trazer uma criança para esse contexto, ainda mais uma com passado trágico, que o filme apenas menciona, o que é decepcionante. Mas os dilemas que os três enfrentam apontam para uma nova realidade, como prova a brincadeira do diretor ao escalar atores heterossexuais para interpretar gays e homossexuais para interpretar heteros. O clima é de otimismo, como mostram as fotografias das famílias homoparentais que fecham o filme.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Lar Ideal/Ideal Home
Direção: Andrew Fleming
Duração: 91 minutos
PaÃs de Produção/Ano: EUA, 2018
Elenco: teve Coogan, Paul Rudd, Jack Gore, Jake McDorman, Alison Pill, Lora Martinez-Cunningham
Distribuição: Brainstorm Media
Drama

Desobediência/Disobedience
Por FÁTIMA GIGLIOTTI
São duas Rachel (Weisz e McAdams) e um Alessandro (Nivola) a alma de Desobediência, cujo âmago é formado ainda por vários extratos de qualidade. A começar pelo livro homônimo que lhe dá origem, da premiada escritora, colunista de games do The Guardian, Naomi Alderman, que nasceu e cresceu na reservada comunidade judaica ortodoxa da capital britânica, cenário do romance.
O roteiro da adaptação para o cinema tem a assinatura da dramaturga e roteirista Rebecca Lenkiewicz (Ida, Colette), em parceria com o diretor chileno Sebastián Lelio (Gloria Bell). Como seu também premiado parceiro e colega chileno Pablo Larraín (No), que estreou na direção de filmes de língua inglesa com Jackie, Lelio o fez com Desobediência, também em grande estilo.
A fotógrafa Ronit (Rachel Weisz) retorna de Nova York para Londres, sua cidade natal, para o enterro do pai. Reencontra Esti (Rachel McAdams, maravilhosa), amiga de infância, e o primo Dovid (Alessandro Nivola), agora marido de Esti. O pai de Ronit era ninguém menos que o rabino da comunidade, da qual ela foi expulsa ainda jovem pelo romance com Esti. Dovid, que será o novo rabino, casou com Esti por amor, mas também por conveniência. Em meio ao luto, à censura do passado e aos restritos códigos da religião, a paixão de Ronit e Esti ressurge com delicadeza, sensualidade e urgência.
Com a colaboração do diretor de fotografia Danny Cohen (O Discurso do Rei, A Garota Dinamarquesa) e do editor Nathan Nugent (O Quarto de Jack), a artística direção de Lelio desenvolve a narrativa com contenção, contemplação, planos fechados e demorados closes, como se sua câmera quisesse flagrar as emoções que seus personagens não se permitem viver. O cinza, a névoa e o frio naturais de Londres entram nas casas, nos rituais da sinagoga, envolvem os personagens, as relações e distâncias entre eles, acentuando o tom claustrofóbico e sombrio que marca a encenação, os sentimentos e a moral de Desobediência.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Desobediência/Disobedience
Direção: Sebastián Lelio
Duração: 114 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Reino Unido/EUA/Irlanda, 2017
Elenco: Rachel Weisz, Rachel McAdams, Alessandro Nivola, Allan Corduner, Bernice Stegers
Distribuição: Sony Pictures