Oh Dae-su (Choi Min-sik) tomou todas e não sabe como foi parar na delegacia de polícia, onde continua aprontando, vestido com as asas de anjo que comprou de presente para a filha. Um amigo o tira dali, mas, num descuido, Dae-su sai de sua visão e desaparece. O destino? Um decadente quarto sem janelas. Os captores o alimentam por uma portinhola e o mantém monitorado, e eventualmente sedado, para evitar o suicídio. O único contato com o mundo externo é pela TV, a mesma que estampa sua cara no noticiário, como o principal suspeito de matar sua esposa. O cárcere termina sem aviso quinze anos depois, para dar início ao tormento maior de Oldboy (2003), de Park Chan-wook, um marco do cinema sul-coreano, finalmente disponível em streaming e em versão remasterizada.
Baseado em uma série de mangá homônima da década de 1990, escrita por Garon Tsuchiya e ilustrada por Nobuaki Minegishi, Oldboy é o segundo capítulo da Trilogia da Vingança, que se completa com Mister Vingança (2002) e Lady Vingança (2005). De uma forma ou de outra, todos envolvem relações familiares. Dae-su vai rastrear o mandante do sequestro para descobrir suas motivações e se vingar. Além do amigo que o salvou da cadeia, terá como aliada Mi-do (Kang Hye-jeong). Fica a interrogação do porquê da jovem e talentosa chef se enternecer, a ponto de se apaixonar, por aquele homem patético que lhe pede para comer algo vivo – a grotesca cena do polvo. A explicação existe, vem no desfecho e é perversa.
Dae-su deixa um rastro de sangue no caminho que o leva ao improvável vilão, uma figura tão ou mais trágica do que ele. Chan-wook criou a sua estética da violência. O dantesco é belo na comunhão entre fotografia, enquadramento e montagem. A selvageria orquestrada como balé. O horror como um quadro de Gustave Courbet. Uma década antes, em 1994, Quentin Tarantino se consagrou com a carnificina pop do já clássico Pulp Fiction. Faz todo sentido, portanto, a aclamação de Oldboy em Cannes. Indicado à Palma de Ouro, venceu o Grande Prêmio do Júri, naquele ano presidido por, adivinhe, Tarantino.
A solução do mistério do calvário do protagonista, assim como sua transformação de beberrão em máquina de matar, demanda do público a retirada de um dos pés da realidade. O que, de certa forma, alivia o desconforto desse desatinado páthos. O vigor do Oldboy de Chan-wook se agigantou ainda mais diante da constrangedora versão ianque do mangá, capitaneada por Spike Lee e estrelada por Josh Brolin, em 2013. Sem nunca abandonar temas controversos, o diretor maturou seu cinema com apuro e elegância. Venceu novamente o Prêmio do Júri em Cannes por Sede de Sangue (2009) e colecionou prêmios com A Criada (2016) e Decisão de Partir (2022).
O retorno à tela grande acontece em diversos países, e o próprio cineasta supervisionou o trabalho de remasterização, a partir do negativo em 35mm. Por quinze anos, Dae-su viu o mundo se transformar pelas imagens da TV que, junto com seus diários, eram sua única companhia na cela. Nessas duas décadas, Chan-wook produziu e assistiu ao florescer do novo cinema sul-coreano, virtuoso e inovador no plano estético, enfático no cunho social. Lee Chang-dong (Em Chamas), Kim Ki-duk (Casa Vazia) – morto por complicações da Covid-19 em 2020 –, e Bong Joon-ho (Parasita) fizeram essa ascensão em paralelo. Todos eles sabem, porém, que foi Oldboy que colocou o cinema do país no mapa e abriu, inclusive, as portas do streaming. Sem Oldboy, não haveria o fenômeno Round 6.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Oldboy
Direção: Park Chan-wook
Duração: 120 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Coreia do Sul, 2003
Elenco: Choi Min-sik, Yoo Ji-tae, Kang Hye-jeong, Kim Byeong-Ok
Distribuição: Pandora