Decisão de Partir

A obra-prima Um Corpo que Cai (1958), de Alfred Hitchcock, fez o sul-coreano Park Chan-wook desistir de ser crítico de arte e se tornar cineasta. Vencedor do prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes 2022, Decisão de Partir é impregnado do suspense noir que tinha James Stewart como o detetive obcecado por sua investigada, Kim Novak. Começa com a morte de um homem que caiu do topo de um penhasco em misteriosas circunstâncias. Quem assume o caso é o policial Hae-joon (Park Hae-il), que capta um sorrisinho suspeito na viúva, Seo-rae (Tang Wei), uma improvável femme fatale.

Esse é um Park Chan-wook diferente. Não se vê os excessos estilísticos da cultuada Trilogia da Vingança - Sr. Vingança (2002), Oldboy (2003) e Lady Vingança (2005) -, porém tampouco o erotismo elegante de A Criada (2016). Embora esteja em terreno noir, gênero típico das décadas de 40 e 50, a trama é ambientada no presente e nesse ponto é inovadora. Apetrechos tecnológicos de todos os tipos não são figurativos. Nas palavras do diretor, são “uma extensão do corpo dos personagens”.

Mensagens de texto, telas de celulares, relógios multifuncionais e até tradutores instantâneos funcionam como elementos narrativos. O detetive se deixa fascinar pela enigmática Seo-rae, imigrante chinesa que mal fala coreano e cuida de idosos solitários. Essa mulher que exala sensualidade e fragilidade embaça a visão e a ética do protagonista. O enredo pode até ser formulaico, mas o espectador se vê enredado pelo suspense.

Decisão de Partir carece, contudo, de concisão. São 2h20 de duração, com desvios supérfulos. Os desdobramentos do casamento a distância de Hae-joon não interferem no enredo central, e a dinâmica do policial com o parceiro de investigação é protocolar. O que pega pelo âmago aqui é a astúcia da suspeita. Ciente de que se tornou uma entidade aos olhos do homem que pode prendê-la, Seo-rae manipula até o catártico desfecho, tão cruel quanto apaixonado.

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