São 86 anos e Woody Allen continua à toda. A turbulência na vida pessoal, com acusações de abuso sexual a uma das filhas adotivas, não o impediu de seguir no ritmo de um filme por ano. A Covid-19 atrasou as filmagens de seu 50º longa, mas o 49º passou há pouco nos cinemas e acaba de chegar ao streaming. Allen está mais antenado do que nunca. Seria limitado descrever O Festival do Amor apenas como comédia romântica. O genial roteiro presta homenagem ao cinema europeu ao mesmo tempo em que ataca refinadamente o uso da sétima arte como instrumento de lacração. Depois de Um Dia de Chuva em Nova York, o cineasta retoma o tour europeu em nova parada pela Espanha. O cenário é a praiana San Sebastián, durante o badalado festival de cinema.
É ali que desembarca Mort Rifkin (Wallace Shawn, Do Jeito que Elas Querem). Professor de cinema e aspirante a romancista, ele acompanha a esposa, Sue (Gina Gershon, Showgirls), assessora de imprensa do cineasta Philippe (Louis Garrel, Um Homem Fiel). Em crise existencial, neurastênico e hipocondríaco como todo legítimo alter ego do diretor, Mort Rifkin está ensimesmado com a empolgação da mulher pelo cliente. Enquanto ela trabalha, ele perambula como turista e tem encontros casuais com conhecidos. Um deles lhe indica uma médica local, e claro que Rifkin se encanta pela dra. Jo Rojas (Elena Anaya, A Pele que Habito). A médica, por sua vez, vive um relacionamento abusivo com Paco, o artista plástico assumidamente mulherengo interpretado pelo astro catalão Sergi López (A Próxima Pele).
Esse agrupamento de figuras típicas do universo woodyaleano entrega-se a uma trama aparentemente simples. Allen intercala a narrativa da comédia romântica com esquetes em que recria cenas de clássicos de seus ídolos, interpretadas pelo elenco principal e por convidados especiais. Os cinéfilos vão identificar Cidadão Kane, de Orson Welles, 8 1/2, de Federico Fellini, Jules e Jim, de François Truffaut, O Anjo Exterminador, de Luis Buñuel, Acossado, de Jean-Luc Godard, e o romântico Um Homem, uma Mulher, de Claude Lelouch. Já o sueco Ingmar Bergman é triplamente reverenciado, com citações de Persona, Morangos Silvestres e a antológica cena do xadrez de O Sétimo Selo, com Christoph Waltz hilário como a Morte.
Com a pena sempre afiada, Allen alfineta o próprio cinema pela figura do diretor vivido por Garrel. Enquanto Sue e toda a imprensa estão aos pés de Philippe, o desconfiado Rifkin parece ser o único a enxergar o oportunismo estampado na cara do jovem e sedutor cineasta. Ao realizar filmes podreiras, porém engajados com temas do momento, ele surfa sem nenhuma convicção na onda do politicamente correto – e todos aplaudem sem nenhum senso crítico. Como não apela para a caricatura, Allen testa o espectador. Quem vai se ligar que Philippe é mais um embuste entre tantos políticos, celebridades e influenciadores que vão de um lado ao outro do mundo polarizado atrás apenas dos próprios interesses?
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: O Festival do Amor/Rifkins Festival
Direção: Woody Allen
Duração: 88 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Espanha, EUA, Itália, 2021
Elenco: Wallace Shawn, Gina Gershon, Louis Garrel, Sergi López, Elena Anaya, Michael Garvey, Steve Guttenberg, Christoph Waltz
Distribuição: Imagem Filmes