segunda, 23 de junho de 2025
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Cidadão Kane


Cidadão Kane
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É um fascinante exercício revisitar Cidadão Kane passadas mais de duas décadas da primeira sessão. O olhar de quem ainda engatinhava nos estudos da sétima arte e na crítica cinematográfica recaíra para as inovações técnicas e narrativas que colocaram a produção de 1941 no topo do olimpo, como o melhor filme de todos os tempos por um sem número de ranks internacionais. A experiência, profissional e de vida, abriu o escopo subjetivo, das motivações emocionais e psicológicas que transbordam nas entrelinhas e que, no fim das contas, desvendam o real significado de Rosebud – a derradeira palavra do protagonista Charles Foster Kane antes de morrer.

Rosebud é tanto o enigma quanto o MacGuffin, a força motriz da história que se desenvolve a partir da investigação de um jornalista, logo após a morte do magnata interpretado pelo também produtor, diretor e corroteirista Orson Welles. Por sinal, o Oscar de melhor roteiro, compartilhado com Herman J. Manckiewicz, foi a única vitória entre as 9 indicações que Cidadão Kane recebeu. Esse extrato dos bastidores já tem em Mank, produção da Netflix dirigida por David Fincher, um retrato honroso e fabuloso.

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Repare que a trama começa com o protagonista à morte. Ele deixa cair um souvenir, uma bola de cristal que tem no interior uma casinha na neve. Em seguida, um noticiário de TV faz uma retrospectiva da saga do milionário, o que inclui a separação abrupta da família, a inesperada riqueza, o idealismo, os excessos, a frustrada tentativa de entrar para a política, os casamentos e o fim solitário na mitológica Xanadu, descrita como a maior mansão particular do mundo. Curioso como esse resumão biográfico aguça o interesse do espectador, que se deixa hipnotizar pelo Charles Foster Kane de Orson Welles, ora na flor de seus 25 anos, ora na maturidade e na velhice.

O jovem Welles irrompeu em Hollywood como o enfant terrible do rádio, aquele que deixou os ouvintes em pânico tamanha veracidade com que anunciou a invasão alienígena em uma leitura ao vivo do romance A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells. Com carta branca do estúdio RKO, Welles estreou na direção de longas provocando polêmica. Mankiewicz nunca escondeu que o protagonista era inspirado no todo-poderoso William Randolph Hearst (1863-1951), um magnata da comunicação ao nível do falecido proprietário do grupo Globo, Roberto Marinho, só que da mídia impressa. O perfil de Charles Foster Kane é tudo menos lisonjeiro, e virou lenda o fato de Hearst ter mandado queimar o negativo do filme antes de estreia. Ficou na tentativa, claro.

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A engenhosa narrativa fora da ordem cronológica é um dos legados dessa obra-prima, que ganha tom documental pela fotografia em preto e branco, em um magnífico jogo de sombras tipicamente noir. É também do diretor de fotografia Gregg Toland o mérito pelas já antológicas tomadas com profundidade de campo, com foco simultâneo em todos os elementos da cena – caso da imagem do menino Charles brincando na neve ao fundo, enquanto sua mãe assina o contrato que define sua criação por um tutor. E o que dizer do travelling da câmera “flutuante” que atravessa um telhado de vidro para entrar sinuosamente no bar onde está um dos amores de Kane.

As inovações técnicas são monumentais, mas não ofuscam a razão de ser de Cidadão Kane. Orson Welles faz um meticuloso estudo de personagem. Considerado comunista por uns, fascista por outros, mas por ele próprio apenas um americano, Charles Foster Kane é um genioso filantropo de bom coração, que se deixa corroer pelo poder quando tudo o que busca não é o dinheiro, mas o amor. O melhor veredito vem de seu melhor amigo, Jedediah Leland (Joseph Cotten): “Você quer persuadir as pessoas de que as ama, para que elas o amem de volta, mas quer o amor nos seus termos, algo para ser feito do seu jeito, de acordo com suas regras”.

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Não é mais segredo que Rosebud era o nome gravado no trenó com que o pequeno Kane brincava na neve no dia em que foi separado dos pais, um casal pobre do Colorado que se descobre dono de uma mina de ouro. Essa é a explicação objetiva para o enigma. Mas Kane murmura Rosebud ao morrer porque a carência familiar o moldou como homem, o tornou esse pobre menino rico com um vazio nunca preenchido. Diferente da Dorothy de O Mágico de Oz, nem todo o dinheiro do mundo deu a Charles Foster Kane os encantados sapatinhos vermelhos rubi que a levaram de volta ao lar.




Trailer

Ficha Técnica

Título: Cidadão Kane/Citizen Kane
Direção: Orson Welles
Duração: 119 minutos

País de Produção/Ano: EUA, 1941
Elenco: Orson Welles, Joseph Cotten, Dorothy Comingore, Agnes Moorehead, Ruth Warrick, Ray Collins, George Coulouris, Georgia Backus
Distribuição: RKO Pictures

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Suzana Uchôa Itiberê

Suzana Uchôa Itiberê

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Cinéfila incorrigível, jornalista de plantão, crítica de cinema (não muito) chatinha e editora caprichosa. Cria do jornal O Estado de S. Paulo, trabalhou nas revistas TVA, Set, Istoé Gente e foi cofundadora da revista Preview. Membro da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema).