Um Dia de Chuva em Nova York

Woody Allen tem enfrentado um inferno astral depois de se ver incluído por familiares na lista negra de abusadores de Hollywood. O movimento #MeToo o atingiu de tal forma que astros e estrelas lamentaram terem atuado sob sua batuta. A controvérsia deixou Um Dia de Chuva em Nova York na prateleira desde 2018 e interrompeu sua contribuição anual ao cinema – um intervalo de produção que, com raras exceções, ele mantém desde seu primeiro longa solo, Um Assaltante Bem Trapalhão (1969). Mas eis que o filme estrou nos cinemas brasileiros e já está disponível em streaming.

Allen não foi julgado nem condenado, e alega inocência diante das acusações. Então não estamos aqui para sentenciar ninguém. Que justiça seja feita. O que não se discute é a enormidade do seu talento como artista. Ninguém escreve diálogos como Woody Allen, dono de um texto sarcástico, com um timing de humor neurastênico e de alta voltagem intelectual. São eles, os diálogos, o maior atrativo de Um Dia de Chuva em Nova York, que marca o retorno do diretor à sua icônica Manhattan, depois de anos filmando pelo mundo: Roma (Para Roma, Com Amor), Paris (Meia-Noite em Paris) e cidades americanas como São Francisco (Blue Jasmine) e Los Angeles (Café Society).

Na trama, ele une duas paixões, Nova York e o cinema. Timothée Chalamet (Me Chame Pelo Seu Nome) e Elle Fanning (Malévola) formam o par central, Gatsby e Ashleigh. Se não fosse pelo uso de celulares, dava para situá-los fácil em meados do século 20. Tudo ecoa o passado: os nomes dos personagens, os figurinos meio antiquados, a trilha sonora nostálgica e, principalmente, a pureza da protagonista. Os pombinhos são colegas de faculdade e decidem curtir o fim de semana em Manhattan, onde Ashleigh vai entrevistar o famoso cineasta Roland Pollard (Liev Schreiber). Gatsby quer escapar de uma recepção de gala na casa dos pais. Nas andanças por sua cidade natal, se depara com velhos amigos e reencontra Chan (Selena Gomez), a crescida irmã caçula de uma antiga namorada.

O ritmo é de comédia de erros, embalada pela chuva. Nada sai como planejado. Enquanto a amada se envolve cada vez mais com o cineasta em crise, um roteirista (Jude Law) e um astro (Diego Luna), Gatsby vai topando com tipos inusitados, entre eles o irmão que não suporta a risada da noiva, e começa a repensar sua vida. Sucinto como sempre, o diretor conduz o público por um delicioso passeio pelo lado boêmio e também luxuoso da cidade que nunca dorme. A gente costuma dizer que um Woody Allen “apenas” bom é sempre ótimo na escala geral do cinema. Um Dia de Chuva em Nova York não foge à regra.

Ficha Técnica

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