Darren Aronofsky faz ótimos filmes, não necessariamente agradáveis. Quem viu algum de seus oito longas, como O Lutador (2008) e Réquiem para um Sonho (2000), sabe que lhe interessam indivíduos fraturados emocionalmente. E não há artista que não vá longe nesses obscuros mergulhos sob seu comando. Natalie Portman ganhou o Oscar por Cisne Negro (2010) e Brendan Fraser ressurgiu como uma fênix, ao coroar com o Oscar de melhor ator a onda de prêmios que recebeu por A Baleia.
Tamanha comoção é fruto de uma somatória: a impecável atuação e a volta por cima desse astro que viveu o ápice e o declínio. O herói bonitão e divertido de George, o Rei da Floresta (1997) e da franquia A Múmia desaparece sob os quilos a mais, o fat suit e a maquiagem (indicada ao Oscar) que o transformam em um obeso mórbido com mais de 250 quilos.
Charlie, o protagonista de A Baleia, nasceu nos palcos. O dramaturgo Samuel D. Hunter assina o roteiro da adaptação sem abandonar o formato teatral. Aronofsky tira proveito do espaço restrito parar ampliar o desconforto gerado pela casa do protagonista. Poucas pessoas adentram nesse casulo, onde Charlie sobrevive como professor universitário de literatura e redação, em aulas virtuais nas quais não se deixa ver. A baleia do título é referência a sua aparência, claro, mas também a Moby Dick, romance de Herman Melville pelo qual tem carinho especial.
Como e por que ele chegou àquele estado é revelado junto aos segredos de seus visitantes. Indicada ao Oscar de coadjuvante, Hong Chau (O Menu) faz a amiga enfermeira que mede seus sinais vitais e não esconde que o fim se aproxima. Charlie não quer partir sem se reconectar com a raivosa filha adolescente (Sadie Sing, Stranger Things), a quem abandonou ainda pequena para viver um amor homossexual. Além delas, aparece sem aviso por ali um jovem e misterioso missionário religioso (Ty Simpkins, Vingadores: Ultimato).
A Baleia é essencialmente uma história de reparos, e o astro parece ter encapsulado suas dores pessoais junto às do personagem. O resultado é uma performance arrasadora, em que melancolia e fragilidade às vezes são anestesiadas pelo humor. Fraser levou 15 anos para tornar público o assédio sexual sofrido de Philip Berk, ex-presidente da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, responsável pelo Globo de Ouro. E tem sido franco sobre a depressão, o divórcio, os problemas físicos e a escassez de trabalhos que vieram na esteira.
Lacradores de plantão têm atacado a produção por não ter escalado um ator obeso e homossexual para o papel. Esquecem-se do significado da palavra representar e de tantos artistas que passaram por transformações físicas radicais para se metamorfosear em seus personagens – com ou sem a ajuda de próteses. Como cinema, A Baleia é bom, não ótimo. Aronofsky já foi mais ousado e aqui carrega no melodrama. Mas ver um ator querido e injustiçado se reerguer pelo enorme talento, vale mais que o filme inteiro.
Trailer
Ficha Técnica
Título: A Baleia/The Whale
Direção: Darren Aronofsky
Duração: 117 minutos
País de Produção/Ano: EUA, 2022
Elenco: Brendan Fraser, Sadie Sink, Hong Chau, Ty Simpkins, Samantha Morton
Distribuição: Califórnia Filmes
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