“Você não é fútil, Tom. Acho que no tempo das cavernas, nossos ancestrais se reuniam à noite em volta da fogueira, e os lobos uivavam no escuro, um pouco além da luz. E uma pessoa começava a falar. E ela contava uma história para que não tivéssemos tanto medo no escuro”, diz o famoso editor Max Perkins (Colin Firth) para o cultuado escritor Thomas Wolfe (Jude Law) no nostálgico drama biográfico O Mestre dos Gênios, situado na Nova York dos anos 1930, em plena Grande Depressão.
Duas décadas depois, no encantador A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata, um clube de leitura improvisado ajuda um grupo de pequenos agricultores da paradisíaca Ilha de Guernsey a não ter tanto medo da dominação nazista durante a Segunda Guerra Mundial.
Nos tempos atuais, a desconfiança sobre o verdadeiro autor de um inteligente best-seller leva um crítico de literatura falido a uma divertida investigação no interior da França e pelos bastidores do mercado editorial em O Mistério de Henri Pick.
Os três títulos são nossa homenagem ao Dia do Escritor, 25 de julho, com a gratidão pelos livros e histórias que aquecem o coração e ajudam a enfrentar tempos sombrios.
Drama Biografia

O Mestre dos Gênios/Genius
Para descobrir o que escritores do calibre de F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway e Thomas Wolfe têm em comum não é preciso mais que deliciar-se com a elegância sofisticada de O Mestre dos Gênios, adaptado da biografia Max Perkins: Um Editor de Gênios, de A. Scott Berg. Perkins (1884-1947) foi um dos mais conhecidos e respeitados editores da história da literatura norte-americana, responsável por levar a obra daqueles três grandes autores, entre muitos outros, às livrarias e ao público, conduzindo-os à imortalidade.
Fitzgerald (Guy Pearce, Duas Rainhas) e Hemingway (Dominic West, a série Estado Zero) aparecem brevemente no filme, dedicado à lendária parceria entre o discreto e profissional Max Perkins (Colin Firth, 1917) e o ardente e voraz Thomas Wolfe (Jude Law, Um Dia de Chuva em Nova York). Os originais do escritor contavam milhares de páginas e exigiam incontáveis reuniões em anos de trabalho de edição, que impactaram a vida pessoal de ambos. É refrescante ver o trabalho anônimo do editor ser valorizado e a envolvente dança das palavras que dele decorre para dar à luz uma obra literária.
O Mestre dos Gênios é a estreia no cinema de Michael Grandage, premiado diretor artístico do teatro Donmar Warehouse, um dos mais prestigiados de Londres. Ele recria com primor a atmosfera lírica de uma Nova York à beira da Grande Depressão, mas faz uma opção questionável ao imprimir algo de teatral nas performances de Jude Law e Nicole Kidman (O Escândalo), que vive sua ciumenta mulher, Aline Bernstein. O casal fica um tom acima do necessário, talvez para acentuar o contraste entre a paixão pulsante e conturbada do artista e a moderação do editor, com sua regrada vida familiar ao lado da devotada esposa Louise (Laura Linney, Simplesmente Amor).
Ainda assim, há em O Mestre dos Gênios a nostalgia de uma época em que a arte, a literatura e a música tinham status de espetáculo cultural, até artesanal, à salvo dos interesses excessivamente mercadológicos da indústria do entretenimento. Apesar do brilho inquestionável de sua obra, no Brasil ainda não foram publicados os dois cultuados romances de Thomas Wolfe de que trata o filme, Look Homeward, Angel (Olhe Para Casa, Anjo) e Of Time And The River (Sobre o Tempo e o Rio), lançados respectivamente em 1929 e 1935. Uma pena, porque é inevitável a vontade de ler ambos após os créditos finais.
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Ficha Técnica
TÃtulo: O Mestre dos Gênios/Genius
Direção: Michael Grandage
Duração: 104 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Reino Unido/EUA, 2016
Elenco: Colin Firth, Jude Law, Nicole Kidman, Laura Linney, Guy Pearce, Dominic West
Distribuição: Diamond Films
Drama

A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata/The Guernsey Literary and Potato Peel Pie Society
Nos difíceis tempos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, a jovem escritora londrina Juliet Ashton (Lily James, de Yesterday) recebe uma singela carta do fazendeiro Dawsey Adams (Michiel Huisman, de Game of Thrones) com um pedido de indicação de livros para o clube que dá nome ao filme e ao best-seller do qual foi adaptado, escrito por Mary Ann Shaffer e Annie Barrows.
O clube foi criado como um alento durante a ocupação nazista da pequena, abandonada e paradisíaca Ilha de Guernsey, situada no Canal da Mancha. Cansada de escrever livros infantis que, apesar de lhe trazerem imenso sucesso, já não conseguem alimentar sua vocação de romancista, Juliet vai até a ilha à procura do acreditava ser a história de seu próximo trabalho. No entanto, acaba conhecendo um extraordinário e amoroso grupo de pessoas profundamente marcadas pela guerra, mergulhadas num delicado segredo, armadas de desconfiança, afeto e amor pelos livros.
O veterano diretor Mike Newell (Quatro Casamentos e um Funeral, O Sorriso de Mona Lisa) conta com elenco carismático, roteiro inteligente e produção irretocável, com destaque para fotografia, locações, figurinos e charmosa reconstituição de época. A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata é doce e gracioso, ainda que dramático e comovente. Um retrato fascinante e terno da vida que pulsa e resiste numa comunidade isolada e tristonha por meio da magia das palavras.
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Ficha Técnica
TÃtulo: A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata/The Guernsey Literary and Potato Peel Pie Society
Direção: Mike Newell
Duração: 124 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Reino Unido/EUA/FRança, 2018
Elenco: Lily James, Michiel Huisman, Tom Courtenay, Katherine Parkinson, Matthew Goode, Jessica Brown Findlay
Distribuição: Netflix
Comédia Suspense

O Mistério de Henri Pick/Le Mystère Henri Pick
Há poucas cinematografias que poderiam colocar em cena – de uma comédia de suspense, ainda por cima – um crítico de literatura com seu próprio programa campeão de audiência na TV, uma Biblioteca dos Livros Rejeitados, uma professora-fazendeira bibliófila e um desconhecido pizzaiolo autor best-seller. Neste caso, não de um livro de receitas, mas de um romance literário de grande qualidade artística, intitulado “As Últimas Horas de uma História de Amor”. O cinema francês é, definitivamente, uma delas.
Obviamente, o mais recente trabalho do diretor e roteirista Rémi Bezançon (Nosso Futuro) é sobre o mundo literário francês, mas a crítica ácida e certeira que faz ao mercado editorial é universal. Bezançon adaptou o livro homônimo de David Foenkinos, escritor com os dois pés no cinema, já que dirigiu a adaptação de dois de seus outros romances, A Delicadeza do Amor (2011) e Jalouse (2017), inédito por aqui.
Jean-Michel Rouche (Fabrice Luchini, como sempre irretocável) é o rigoroso crítico literário que fica intrigado com a qualidade do romance póstumo de Henri Pick, obscuro e simplório pizzaiolo de uma pequena cidade da Bretanha, publicado pela famosa editora francesa Grasset, e elevado à categoria de best-seller após uma eficiente campanha de marketing.
O original foi encontrado na inusitada biblioteca da cidade pela jovem e ambiciosa agente literária Daphne (Alice Isaaz, de Doce Veneno), para a tristeza de seu enciumado namorado Fred (Bastien Bouillon, de 2 Outonos e 3 Invernos), autor de um único romance fracassado. A biblioteca, aliás, é inspirada na obra “The Abortion: An Historical Romance 1966”, do escritor americano Richard Brautigan, cujo protagonista trabalha numa biblioteca de manuscritos não-publicados. As citações literárias, aliás, são um dos deleites do filme, dos russos Pushkin e Dostoiévski a Proust e Marguerite Duras.
Rouche questiona a autoria do livro em seu programa de TV ao vivo, no estilo pouco cortês que lhe é peculiar, e é demitido da emissora e do casamento no mesmo dia. Agora, é questão de honra solucionar o que ele acredita ser um mistério. Sua improvável parceira na investigação será justamente a filha bibliófila de Pick, Joséphine (Camille Cottin, de As Primeiras Férias Não se Esquece Jamais!). A enquete recheada de falsas pistas começa na Bretanha e deve terminar em Paris.
Com Antoine Monod (Chatêau-Paris), seu habitual diretor de fotografia, uma trilha sonora descolada e produção caprichada, Bezançon deixa brilhar a paisagem da Bretanha e a incomparável beleza de Paris. Ele navega à vontade nas zonas fronteiriças dos gêneros que visita, e reveste seu texto esperto com a roupagem cinematográfica que mais lhe faz jus. Mas a maior qualidade do cineasta talvez seja mesmo, de uma maneira leve e sedutora, reconduzir as palavras e as ideias ao papel de protagonistas de seu filme. Algo que talvez o mundo literário globalizado, com suas estratégias de marketing “matadoras”, também devesse voltar a praticar.
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Ficha Técnica
TÃtulo: O Mistério de Henri Pick/Le Mystère Henri Pick
Direção: Rémi Bezançon
Duração: 100 minutos
PaÃs de Produção/Ano: França/Bélgica, 2019
Elenco: Fabrice Luchini, Camille Cottin, Alice Isaaz, Bastien Bouillon, Astrid Whettnall, Hanna Schygulla
Distribuição: A2 Filmes