Quem cresceu na década de 1980 lembra do sucesso da série Ilha da Fantasia. O enigmático anfitrião Mr. Roarke (Ricardo Montalban) e seu assistente, o anão Tatoo (Hervé Villechaize), davam as boas-vindas aos incautos que chegavam a uma ilha do Pacífico, com a promessa de transformar a fantasia de cada um deles em realidade. Mr. Roarke avisava, porém, que nem sempre os desejos tomariam a forma esperada. O showrunner Mike White reproduz inclusive a chegada dos convidados em um barco ao resort de luxo The White Lotus, que dá nome à produção da HBO Max que ganhou 10 prêmios Emmy na noite passada, entre eles de Melhor Minissérie.
White também levou o Emmy pelo roteiro e pela direção dos 6 episódios, que seguem a máxima do imprevisto do sr. Roark. A trama abre pelo final com um dos hóspedes de olho em um caixão sendo rebocado para dentro de um avião. Seu nome é Shane (Jake Lacey, Armas na Mesa) e o enredo volta uma semana ao passado para mostrá-lo na lancha que o transporta ao paradisíaco hotel no Havaí, onde vai passar a lua de mel com Rachel (Alexandra Daddario, da franquia Percy Jackson). A bordo estão também Tanya (Emmy de atriz coadjuvante para Jennifer Coolidge, Bela Vingança), que pretende jogar as cinzas da mãe no mar, e o clã Mossbacher: o casal Nicole e Mark (Connie Britton, Bela Vingança, e Steve Zahn, Tio Frank), os filhos Quinn (Fred Hechinger, A Mulher na Janela) e Olivia (Sydney Sweeney, série Objetos Cortantes), que trouxe junto a melhor amiga, Paula (Brittany O’Grady).
Não vale descrever cada um, porque a graça é acompanhar seus passos durante a estadia. São muitas as camadas que afloram desses disfuncionais representantes da elite branca norte-americana. Com humor ultrajante, cáustico até, Mike White examina como o dinheiro é capaz de corromper os relacionamentos mais íntimos, e como influencia casamentos, famílias, amizades e a interação com estranhos. Mas o faz com ironia, já que ele próprio integra essa nata e se instalou com elenco e equipe de produção no – só para privilegiados – Four Seasons da Ilha de Maui, cenário das filmagens.
Com um texto engajado, The White Lotus é ainda mais incômodo no retrato da convivência desses hóspedes com o staff do hotel. Em especial o cisma entre o recém-casado Shane e o gerente Armond (Emmy de coadjuvante para Murray Bartlett), cuja desavença por conta de um erro na reserva da suíte ganha proporção disparatada. Embora previsível, a relação entre a carente Tanya e Belinda (Natasha Rothwell), responsável pelo Spa, coloca em evidência a rigidez dos estratos sociais. Já temas como colonialismo, apropriação cultural e indústria do turismo estão no pano de fundo do romance entre Paula e um dos garçons, Kai (Kekoa Kekumano), um nativo cujas terras foram desapropriadas.
The White Lotus não foi desenhada para ser agradável, mas para instigar. A trilha sonora do chileno Cristobal Tapia de Veer, com um batuque ritmado e desconcertante, eleva o suspense diante de uma iminente desgraça – afinal temos alguém no caixão no fim da temporada. Laços se formam e se rompem nos seis dias de férias, e o espectador observa ao longe, em posição de conforto, sentindo um cutucão aqui outro ali ao se identificar com alguma desfaçatez dos protagonistas. No simbolismo budista, flor de lótus significa pureza do corpo e da mente. E a lótus branca ainda representa a harmonia espiritual. Justamente o que falta à fauna humana dessa série que já tem a segunda temporada anunciada, com a chegada de novos hóspedes ao paraíso.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: The White Lotus
Direção: Mike White
Duração: 55 minutos
PaÃs de Produção/Ano: EUA, 2021
Elenco: Murray Bartlett, Connie Britton, Jennifer Coolidge, Alexandra Daddario, Fred Hechinger, Brittany O'Grady, Natasha Rothwell, Sydney Sweeney, Kekoa Kekumanol
Distribuição: HBO Max