Pisque Duas Vezes

A primeira bandeira vermelha de Pisque Duas Vezes: um magnata da tecnologia se desculpa publicamente por um inexplicado “mau comportamento” e diz que agora leva uma vida regrada em sua ilha particular. Segunda bandeira vermelha: duas amigas garçonetes ficam deslumbradas e aceitam sem pestanejar o convite do bilionário para conhecer o tal local paradisíaco. Terceira bandeira vermelha: os hóspedes têm seus celulares confiscados ao chegar. Vai dar ruim nesse banquete, obviamente. Até o caos se instaurar, a estreia na direção de Zoë Kravitz é um potente e estiloso suspense psicológico.

Noivo da cineasta na realidade, Channing Tatum empresta seu star power ao excêntrico bilionário, um tipo tão sedutor quanto suspeito. A princípio, não fica claro se as amigas interpretadas pelas ótimas Naomi Ackie e Alia Shawkat são as únicas novatas entre o seleto grupo de hóspedes. Christian Slater e Haley Joel Osment são os rostos mais conhecidos entre os homens e Adria Arjona, em ascensão depois de Assassino por Acaso, acerta de novo como uma personagem difícil de decifrar. Nem a mais criativa das mentes pode imaginar o que há por trás da hospitalidade de luxo gerenciada pela irmã do anfitrião, na bem-vinda participação de Geena Davis.

Não há como negar a influência de Corra!, de Jordan Peele, enorme sucesso de 2017, justamente o ano em que Zoë começou a escrever o roteiro, finalizado em parceria com E.T. Feigenbaum, da série Alta Fidelidade (2020), que ela estrelou. Se no vencedor do Oscar de roteiro original a crítica se ancorava no racismo e na desigualdade social, em Pisque Duas Vezes a questão é de gênero. Vale pontuar que em 2017 estourou o escândalo das acusações de abuso sexual contra o produtor Harvey Weinstein, seguido da expansão mundial do movimento #metoo. Pode apostar também que qualquer semelhança não é mera coincidência em relação ao caso Jeffrey Epstein, bilionário das finanças condenado por tráfico sexual e famoso por festas depravadas cheias de celebridades em sua ilha caribenha.

Filha do astro da música Lenny Kravitz e da atriz Lisa Bonet, Zoë tem chamado atenção em filmes como Batman (2022) e Mad Max: Estrada da Fúria (2015), mas sinaliza que pode ir além como cineasta. Há apuro e energia nos movimentos da câmera, que transita com precisão entre closes e panorâmicas. Há cuidado com cenários, figurinos e fotografia. E há sintonia no elenco, que entende a tênue linha entre o real e o absurdo. O que falta a Pisque Duas Vezes é paridade. O instigante mistério da primeira etapa vira um show de horror quando a penumbra some. A sequência final é ousada, mas aí o bom senso já deu adeus faz tempo. Alguns equívocos, porém, que não anulam os acertos da estreante.  

Ficha Técnica

Garanta seu Ingresso!