As primeiras imagens mostram Los Angeles assolada por mais uma temporada de incêndios. Os telefones tocam sem parar na central de atendimento de emergência, o nosso 190. Joe Baylor (Jake Gyllenhaal, Vida Selvagem) é um dos operadores e recebe todo tipo de chamada, de um sujeito drogado a um executivo roubado por uma prostituta. Ele faz o tipo boca dura, impaciente, com uma bombinha de asma sempre à mão. A gente descobre logo que não está ali por vontade própria – sem spoilers!.
A rotina segue até que atende Emily (voz de Riley Keough, O Diabo de Cada Dia), que dá sinais de estar sendo sequestrada pelo ex-marido. Sem sair do telefone, Joe vai se desdobrar para resgatá-la em uma jornada extasiante de menos de 90 minutos, repleta de revelações e reviravoltas. O Culpado é remake de Culpa, premiado longa dinamarquês de 2018, também disponível em streaming. É fascinante assistir aos dois e notar as nuances que tornam as duas cinematografias – a dinamarquesa e a hollywoodiana – tão distintas.
O próprio Gyllenhaal comprou os diretos de adaptação e levou o projeto a Antoine Fuqua, que o dirigiu no dramático Nocaute (2015). Dos ringues de boxe para a cadeira de telefonista, e com texto adaptado por Nic Pizzolatto, coautor do roteiro da recente versão de Sete Homens e Um Destino, também comandada pelo cineasta. O Culpado ativa a criatividade do espectador, impelido a dar forma a tudo o que acontece do outro lado da linha. E não é pouco. A partir dos curtos, tensos e cifrados diálogos com Emily, Joe aciona colegas policiais e empreende uma investigação paralela para alcançar a van em que ela está com o ex-marido.
Assim como no original, chama a atenção a tecnologia de identificação de chamadas e as artimanhas de localização via satélite. As sutis modificações no enredo não comprometem, embora deixem tudo mais à claras. Na versão ianque, a crise no casamento do protagonista e o julgamento midiático que pode – ou não – reabilitá-lo na função de detetive desfocam a trama de crise central.
Mais sensível, porém, é a mudança de tom. A atuação do astro sueco Jakob Cedergren em Culpa é contida, sem arroubos emocionais e com um naturalismo típico do cinema nórdico. O resultado é de um minimalismo arrebatador, mas não diminui o valor de Jake Gyllenhaal. Quem o viu na atuação indicada ao Oscar de coadjuvante de O Segredo de Brokeback Mountain e no perturbador O Abutre sabe o quanto seu talento ainda é subestimado. Joe navega alguns decibéis acima do policial original, com a emoção à flor da pele e direito a ataques de asma.
As filmagens de O Culpado foram sui generis. O plano era rodar em apenas 11 dias. O estelar elenco de vozes, que reúne nomes como Peter Sarsgaard, Ethan Hawke e Paul Dano, estava a postos on-line para gravar os diálogos ao vivo. Três dias antes do início, alguém próximo ao diretor Antoine Fuqua testou positivo para Covid-19 e ele precisou ficar em quarentena. Sem poder adiar, a produção o colocou em uma van equipada com monitores, estacionada ao lado do estúdio e plugada com a equipe no interior. O comando foi à distância, com ator e cineasta se comunicando pessoalmente nos intervalos entre takes, pelo muro que os separava. Vale tudo pelo cinema.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: O Culpado/The Guilty
Direção: Antoine Fuqua
Duração: 90 minutos
PaÃs de Produção/Ano: EUA, 2021
Elenco: Jake Gyllenhaal, Adrian Martinez, com as vozes de, Riley Keough, Peter Sarsgaard, Paul Dano, Ethan Hawke, Eli Goree
Distribuição: Netflix