França, Itália, Estados Unidos, Chile, Zâmbia, Inglaterra, México, Alemanha, Japão, Líbano, China. Essas são as nacionalidades dos 17 diretores, consagrados e novatos, que filmaram curtas-metragens caseiros sobre a vida em isolamento durante a quarentena do coronavírus. A encomenda foi do cineasta chileno Pablo Larraín (Jackie) e o fruto é a antologia Feito em Casa, em parceria com a Netflix. Apesar de irregular, e sem ter a pretensão de ser mais do que um registro autoral sobre as consequências da pandemia global, o resultado é valioso, singelo e comovente.
As crianças e a família predominam no foco principal de um primeiro conjunto de curtas. A norte-americana Rachel Morrison (Pantera Negra), diretora de fotografia estreante na direção, e a queniana Gurinder Chadha (A Música da Minha Vida), resgatam memórias e perdas como legado a seus filhos. Já a mexicana Natalia Beristain e a libanesa Nadine Labaki (Cafarnaum) retratam a solidão das filhas pequenas, a primeira no registro ficcional, a segunda no documental. Esse pesar é mais acentuado na angústia adolescente da filha do inglês David Mackenzie (Legítimo Rei), isolada com a família em Glasgow, na Escócia.
Ainda no segmento familiar, o chinês Johnny Ma (Viver para Cantar) manda um filme-carta para a mãe na China, enquanto prepara a receita de gyoza que aprendeu com ela para servir à sua família no México. Mais descontraída, a diretora zambiana Rungano Nyoni (Eu Não Sou uma Bruxa) prefere contar, por mensagens de WhatsApp, a reconciliação de um casal fictício forçado a conviver num minúsculo apartamento pela quarentena.
Talvez só seja possível injetar humor no olhar sobre a pandemia na ficção. Pablo Larraín o faz de modo rasgado no diálogo, pela tela do computador, entre um idoso sedutor e até obsceno, e sua ex-mulher. Seu conterrâneo Sebastián Lelio ensaia até um musical, com um surpreendente roteiro argutamente reflexivo, marca também do trabalho do italiano Paolo Sorrentino (A Grande Beleza) no diálogo entre funkos improvisados do Papa Francisco e da Rainha Elizabeth.
Mais cerebral, o alemão Sebastian Schipper (Victoria) multiplica os seus “eus” com trucagens bem resolvidas e ironia amarga, e a japonesa Naomi Kawase (Esplendor) faz uma breve e belíssima ode à humanidade. No entanto, os exercícios de gênero mais experimentais da estreia da atriz Maggie Gyllenhaal (O Sorriso de Mona Lisa) na direção, e de Antonio Campos (Christine), foram os que menos se adequam ao formato.
É possível assistir aos curtas em qualquer ordem, mas os filmes que abrem e fecham a coletânea têm um impacto particular. O francês Ladj Ly (Os Miseráveis) volta a usar o drone para criar a própria Janela Indiscreta do subúrbio de Montfermeil, um dos mais afetados pela pandemia em Paris. Esse é o único segmento com um olhar mais social para a crise mundial. A inglesa Ana Lily Amirpour (Amores Canibais) filma seu passeio de bicicleta por uma Hollywood deserta, com comentários de Cate Blachett (Estado Zero). Mas é a insone e inquieta Kristen Stewart (As Panteras), que vê a cidade pelas grades da sacada de seu apartamento, quem talvez sintetize melhor o desassossego desses tempos. Feito em Casa revela com pungência como o isolamento nos irmana, e reafirma o poder da arte em traduzir o que há de mais humano em nós.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Feito em Casa/Homemade
Direção: Vários
Duração: 138 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Chile/Itália, 2020
Elenco: Christopher Abbott, Peter Sarsgaard, Kristen Stewart, Mercedes Morán
Distribuição: Netflix