Cheguei da escola e minha mãe me recebeu com a notícia: Elvis morreu. Era 16 de agosto de 1977. Aos 6 anos incompletos, perdi meu primeiro crush. Não sei quantas vezes ouvi o LP Elvis Presley Disco de Ouro, com capa rosa e azul, presente de meu saudoso pai. Nem quantas tardes passei no sofá a cada reprise de Ama-me com Ternura (Love Me Tender) na TV. Assistir a Elvis com a memória afetiva aguçada aumenta a expectativa, e com ela a exigência.
Autor, produtor e diretor de sucessos como Romeu + Julieta e Moulin Rouge: Amor em Vermelho, o australiano Baz Luhrmann é o mestre do excesso, para o bem e para o mal. Seu retorno às telas, nove anos depois de O Grande Gatsby, surpreende pelo comedimento. Compreensível. A responsabilidade de retratar “O Rei” é imensa. Os 12 minutos de ovação em Cannes, onde o filme foi exibido fora de competição, e os elogios da viúva, Priscilla Presley, e da filha, Lisa Marie Presley, só aumentaram a ansiedade dos fãs. A aclamação é mais que merecida.
Luhrmann ilumina Elvis sob o olhar do empresário, o “Coronel” Tom Parker, acusado de explorá-lo, de afanar parte de sua fortuna e de contratar o médico que o entupiu de pílulas. Interpretado por um Tom Hanks escondido sob pesada maquiagem, Parker é o narrador e o vilão da história. É seu, porém, o mérito de ter enxergado o potencial do rapaz branco que cantava e gingava como os negros. Além de trazer à tona essa figura polêmica e pouco conhecida do grande público, o enredo volta à infância do artista em Tupelo, Mississipi, para investigar o DNA de seu estilo único de rock.
A vivência em uma comunidade majoritariamente negra, a descoberta do gospel, do country e, na juventude, com a mudança para Memphis, do rhythm and blues na Rua Beale (veja Se a Rua Beale Falasse). A amizade com B.B. King (Kelvin Harrison Jr.) e a consciência da segregação racial. Está tudo na tela, como pedra fundamental do homem por trás do mito. A adoração por Gladys (Helen Thomson), a mãe superprotetora para quem comprou a mansão Graceland e que morreu quando ele tinha 23 anos. E a paixão por Priscilla (Olivia DeJonge), a única esposa, o grande amor que não resistiu às suas infidelidades. Nas 2h39min que passam rápido, Luhrmann tica com louvor a lista factual do biografado, mas Elvis não seria o que é sem Austin Butler.
O ator mirim de séries como Hannah Montana e iCarly, que fez uma participação em Era Uma Vez em... Hollywood, de Tarantino, chega aos 31 anos como o astro revelação do momento. O californiano perdeu a mãe exatamente na mesma idade que Elvis, aos 23, e pode ter certeza de que o luto criou a conexão de almas que toma forma em uma personificação de tirar o fôlego. Foram dois anos de imersão em um preparo que o ator descreve como “obsessivo”.
Butler edifica o personagem de dentro para fora. Os requebrados não são miméticos porque há sentimento e energia em cada gesto. O trabalho vocal (sim, é ele quem canta!) é tão monumental que seu tom de voz permaneceu mais grave mesmo depois do filme, basta ver entrevistas antes e depois. É uma entrega extraordinária, digna de prêmios. Então como explicar a ausência da emoção avassaladora, a mesma que me fez chorar copiosamente com o Freddie Mercury de Rami Malek em Bohemian Rhapsody? E olha que a atuação de Butler é superior.
Arrisco uma resposta. O ponto de vista narrativo de Tom Parker funciona como um filtro. Sua incapacidade de acessar o íntimo de Elvis, de compreender suas dores e atender seus desejos, ergue uma espécie de barreira também para o público. O diretor se garantiu com o cacife de Tom Hanks à frente do elenco, talvez inseguro sobre até onde seu protagonista conseguiria chegar. Deveria ter confiado mais. O resultado é um só: Elvis, o filme, é muito bom, mas Austin Butler, seu intérprete, é fenomenal.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Elvis
Direção: Baz Luhrmann
Duração: 159 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Austrália/EUA, 2022
Elenco: Austin Butler, Tom Hanks, Olivia DeJonge, Helen Thomson, Richard Roxburgh, Kelvin Harrison Jr.
Distribuição: Warner Bros.
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