Annette

2021 foi o ano da retomada dos musicais no cinema. Da Broadway vieram a maravilhosa versão de Steven Spielberg para Amor, Sublime Amor, além de Querido Evan Hansen e Em um Bairro de Nova York. Já Todos Estão Falando Sobre Jamie adapta o sucesso dos palcos londrinos e o clássico Cinderela tem Camila Cabello à frente da produção da Prime Video. A concepção de Annette, que premiou Leos Carax com a Palma de Melhor Direção em Cannes, é das mais inusitadas. As canções foram compostas para o álbum da banda californiana Sparks, que desde a década de 70 faz glam rock, subgênero criado na Inglaterra e eternizado por David Bowie. A ideia de usar o material para um filme surgiu há nove anos, quando o cineasta francês usou uma música do grupo na trilha de Holy Motors.

Com pretensões ao Oscar, Annette acaba de entrar em cartaz nos cinemas e chega às principais plataformas de streaming no próximo dia 30. É a estreia de Carax em língua inglesa e reúne uma dupla ímpar, Marion Cotillard (Estaremos Sempre Juntos) e Adam Driver (Casa Gucci). A estrela francesa é a cantora de ópera Ann Defrasnoux, que se apaixona pelo comediante Henry McHenry. A mídia cobre a relação freneticamente, e os enamorados fazem a festa dos paparazzi com demonstrações públicas de carinho. O romance é selado com o casamento e tudo são flores até o nascimento de Annette, uma menina fora do comum – sem spoilers. A trama aparentemente simples é assinada pelos irmãos Ron e Russell Mael, líderes da Sparks. Mas não há nada de singelo no enredo costurado pala palavra cantada em melodias ora líricas, ora ásperas. Quem conhece o cinema de Carax sabe que o trivial não é com ele. Annette é romântico, intenso e bizarro.

Enquanto Ann se entrega às tragédias nos palcos, Henry faz rir com um stand-up sarcástico e de gosto duvidoso. A casa onde vivem em Los Angeles é linda, arborizada, como se rodeada por uma floresta. Sempre com uma maçã na boca, a delicada soprano tem a pele alva da Branca de Neve. Seu príncipe, porém, começa a dar sinais de que não seja nem um sapo, mas um lobo. O predador dá o bote em uma sequência magistral, num jogo cênico e vocal a bordo de um barco durante tempestade. Ascensão e decadência, amor e violência, ambição e ética estão em choque constante, especialmente no segundo ato, quando a pequena Annette e o maestro vivido por Simon Helberg (série The Big Bang Theory) dão novo rumo à história.

Annette é dramático, provocador, “fora da caixa”. Ousado como sempre, Carax coloca Adam Driver para cantar em plena cena de sexo oral. Com exceção das sequências na ópera, não há dublagem, e Marion solta um agudo encantador. Sua atuação está indicada ao Globo de Ouro – ela já tem um (e o Oscar) por Piaf – Um Hino ao Amor (2007). E o que dizer da garotinha Annette, possuidora de um dom fenomenal, através do qual o diretor ataca o show business e a exploração infantil. Vai muito longe essa fascinante obra de arte, mas mantenha a distância quem busca um musical clássico e solar. Annette é pancada.

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