A Educação das Fadas

Nicolás (Ricardo Darín, A Odisseia dos Tontos) se apaixona duplamente e à primeira vista por Ingrid (Irène Jacob, A Fraternidade é Vermelha) e o filho dela durante um voo para Barcelona. Ele é designer de brinquedos, ela uma ornitóloga e Raúl (Víctor Valdivia), com seus 8 anos, é um menino espirituoso e cativante. O pai dele morreu em acidente aéreo na Guerra do Golfo e ter um padrasto amoroso, do tipo que conta histórias na hora de dormir, é tudo o que precisa. Nicolás é um sujeito bacana, tem química com Ingrid e pretende consolidar a família ao adotar Raúl. Mas dois anos depois do casamento, assim sem mais nem menos, Ingrid pede a separação.

A razão é um dos mistérios a ser revelados em A Educação das Fadas, adaptação do romance homônimo do francês de descendência belga Didier Van Cauwelaert, roteirizado e dirigido pelo cineasta espanhol José Luis Cuerda (1947-2020), mais conhecido por A Língua das Mariposas. É instigante a temporalidade aqui. O livro é de 2000, o filme de 2006. Parece pouco, mas o mundo sofreu transformações tão drásticas nas últimas duas décadas que a realidade na tela parece mais distante, desplugada, ingênua até. Provoca uma agradável nostalgia, acentuada pela delicada trilha sonora – a canção tema “Tiempo pequeno” venceu o Goya (o Oscar espanhol).

Nicolás mora em um casarão de pedra em uma região campestre rodeada por um bosque, nas cercanias de Barcelona. Ali ele passou a infância e envolve Raúl com o mundo de fantasia que montara para si, com direito à cabana de madeira na floresta. É aos contos de fadas que Nicolás recorre para preparar o garoto para o rompimento familiar. Ao falar das fadas como seres fascinantes que “levantam todos os dias para trabalhar, ou para estudar”,  e que nem sempre “se dão conta de que são fadas”, ele introduz o curioso Raúl no complexo universo feminino.

Em passagem pelo supermercado, o protagonista conhece Sezar (a cantora e atriz espanhola Bebe), moça argelina que trabalha como caixa e sonha estudar em Paris. Embora a trama paralela se desloque com certo esforço do bloco central, através da história de Sezar o enredo aborda questões como assédio e violência contra mulheres. Aos poucos, a vida pregressa de cada um deles aflora e dá sentido ao presente. Nada de Conto da Carochinha, principalmente a razão pela qual Ingrid pede a separação. Ainda assim, A Educação das Fadas jamais abandona o lirismo. É uma injeção de ternura nesses tempos tão sombrios. Faz um bem danado.

Ficha Técnica

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