Ator e professor de teatro no Rio de Janeiro, Fernando Bohrer é um Dom Quixote das artes, com seus 74 anos de idade e meio século de dedicação à cultura e seu poder transformador. No passado, no interior carioca, ele manteve um mosteiro cultural improvisado, em que montava peças com as crianças da comunidade – e às vezes até com suas famílias, para quem ensinava teatro, música, literatura. Agora, na cidade maravilhosa, dá aulas de teatro, atua em peças e compartilha a vida com seu companheiro longevo.
Fernando acompanha a rotina de Bohrer com um registro intimista, que se utiliza de longos planos-sequência, muitos deles com a câmera no tripé, parada, e se organiza no ritmo próprio do cotidiano do protagonista, às vezes elétrico, às vezes reflexivo, às vezes solitário. Não há depoimentos e sim a observação reverente do fazer e do dizer de uma figura notável na vitalidade de suas aulas de teatro, na profissão de fé na arte e na educação, no comprometimento com a vida e com seu amor.
É do hibridismo entre documentário e ficção de Fernando que o trio de diretores e roteiristas Igor Angelkorte, Julia Ariani e Paula Vilela extrai sequências de inesperado lirismo. É no vigor e no amor à arte, ao teatro e à música de Bohrer que a encenação contemplativa e respeitosa se inspira, com um roteiro falsamente documental, minuciosamente elaborado e interpretado. A edição dá o toque final no acerto da produção, muito mais biografia que documentário, é bom alertar. Em seu dia a dia, Bohrer depara-se com uma possível arritmia do coração que lhe traz agonia. No palco, interpreta corajosamente um velho, doente, esquecido, no limiar da vida.
Prefere não votar nas urnas, porque não acredita mais na política cultural de editais e fomento às artes, tema de uma interessante discussão entre amigos no bar. Quando tenta explicar para a sua biógrafa que tipo de livro sobre a sua vida vislumbra, se atropela na enormidade das suas memórias e na convicção de que palavras e razão não dão conta das infinitas possibilidades da natureza corpórea do trabalho do artista. O belo epílogo comove. Em seu despojamento calculado, Fernando não é apenas uma biografia, é também o retrato do descaso de um país com a educação e a cultura. Bohrer é um dos heroicos – quase sempre marginalizados – vocacionados que, ainda assim, vivem delas e lutam por elas.
Trailer
Ficha Técnica
Título: Fernando
Direção: Igor Angelkorte, Julia Ariani, Paula Vilela
Duração: 70 minutos
País de Produção/Ano: Brasil, 2017
Elenco: Fernando Bohrer, Rubens Barbot, Chandelly Braz, Paula Vilela, Arnaldo Marques, Claudia Mele, Damiana Guimarães, Ligia Veiga
Distribuição: Olhar Distribuição
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