Uma semana antes do Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística anunciou que, em 2018, pela primeira vez na história do País, os jovens brasileiros pretos ou pardos passaram a ser 50,3% dos estudantes de ensino superior da rede pública. A História mostra que as batalhas da árdua e constante luta pela igualdade, em todo o mundo, já trouxeram conquistas importantes, mas precisam continuar.
No Brasil, foi a data de morte de Zumbi, líder do Quilombo de Palmares, que se tornou o dia de celebrar a história e a cultura afrodescendente, tornado oficial apenas em 2011. Nos Estados Unidos, que já elegeu um presidente negro para governar o país por dois mandatos, foi apenas em 1966 que o termo Black Power e o gesto da mão fechada no ar tornaram-se símbolos da luta da comunidade negra norte-americana e mundial.
Nós aqui do OQVER Cinema & Streaming celebramos o Dia Nacional da Consciência Negra com três produções recentes, a maioria inspirada em histórias reais e todas disponíveis em streaming. Infiltrado na Klan, do imensamente talentoso Spike Lee, saiu do Oscar com a estatueta de roteiro. O Menino que Descobriu o Vento é a estreia do ator Chiwetel Ejiofor como diretor de longa-metragem. Já o diretor Barry Jenkins levou Regina King a conquistar o Oscar de melhor atriz coadjuvante pela atuação em Se a Rua Beale Falasse.
Policial
Infiltrado na Klan/ BlacKkKlansman
Spike Lee ganhou o Oscar de melhor roteiro adaptado por Infiltrado na Klan. Merecia mais. John David Washington (filho de Denzel Washington, diga-se de passagem), protagonista no papel de Ron Stallworth, teve de se contentar com nomeações ao Globo de Ouro e ao SAG. Já o Festival de Cannes foi justo: Grande Prêmio do Júri.
Foi Jordan Peele (Corra! e Nós) quem apresentou o projeto para Spike Lee, e os dois assinam a produção do filme, adaptado do livro homônimo de Ron Stallworth, o primeiro policial negro de Colorado Springs, que em 1979 conseguiu se infiltrar na Ku Klux Khan (KKK). Ron fazia o contato por telefone, e seu colega branco – e judeu - Flip Zimmerman (Adam Driver, que disputa a estatueta) frequentava as reuniões. A dupla descobre o plano de um ataque em massa iminente da KKK. Ron envolve-se com uma jovem militante pelos direitos dos negros, Patrice (Laura Harrier), e acaba colocando-a em situação de risco com o romance.
Na cruzada policial dessa dupla improvável, mas verídica, há um certo humor às vezes nervoso, às vezes raivoso, suspense e drama. Spike Lee utiliza todos os recursos do cinema em alta performance - direção de fotografia e de arte, figurinos, trilha sonora, interpretação - e extrai deles um ritmo e um conjunto irretocável, com uma das aberturas, cortesia de Alec Baldwin, mais instigantes de uma produção dos tempos atuais. Cinema, beleza, arte, engajamento e denúncia na sua forma mais elevada.
A cereja do bolo, no entanto, é a associação que esse extraordinário cineasta faz entre o tema maior de seu filme, que não é apenas o racismo, mas todas as faces da intolerância, nos anos 1970, e na atualidade, na América, e seja onde quer que ela aconteça - uma ponte que só a linguagem cinematográfica permite com tanta concisão e tanto impacto.
Spike Lee ainda vai mais longe, e conecta seu filme com a história do cinema através da representação dos negros nela, com direito a imagens do clássico E o Vento Levou (1939) e de uma sequência – ainda hoje assustadora – de uma das produções fundadoras do cinema norte-americano, O Nascimento de uma Nação (1915), de D.W.Griffith, que, diz-se, também inspirou a criação da Ku Klux Khan, com direito à apresentação quase mítica de Harry Belafonte.
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Ficha Técnica
Título: Infiltrado na Klan/ BlacKkKlansman
Direção: Spike Lee
Duração: 135 minutos
País de Produção/Ano: EUA, 2018
Elenco: John David Washington, Adam Driver, Laura Harrier, Topher Grace, Ashlie Atkinson, Alec Baldwin, Harry Belafonte
Distribuição: Universal Pictures
Drama
O Menino que Descobriu o Vento/The Boy Who Harnessed the Wind
Quando era menino, na região rural do Malawi, país da África Oriental, no início dos anos 2000, William Kamkwamba viveu e testemunhou o esforço e o sacrifício de seus pais para sustentar a família com o cultivo do milho, cada vez mais prejudicado pelo desmatamento próximo às áreas de plantio, pelas mudanças climáticas e pelo absoluto descaso do governo. Desde muito cedo, aprendeu sozinho a consertar aparelhos elétricos para ajudar em casa. Quando uma seca prolongada trouxe a fome, com livros da biblioteca da escola local, ele criou um sistema para produzir energia eólica, irrigar as terras e garantir o sustento da sua e de dezenas de famílias da região.
O ator Chiwetel Ejiofor (12 Anos de Escravidão) leu o livro autobiográfico de Kamkwamba e não deu outra, quis levá-lo para as telas. Viajou ao Malawi várias vezes, conheceu o autor e sua família, e começou a incorporar a natureza e os locais no roteiro. Enfim, decidiu estrear na direção e atuar no filme, no papel do pai de William (Maxwell Simba). Mais: aprendeu a língua local, chewa (nyanja).
Exibida no Festival de Sundance e de Berlim no início de 2019, a produção agrega aspectos épicos, políticos, culturais e humanos a uma história original, por si só, já notável. Nela, não se trata apenas de enaltecer a trajetória exemplar de William, mas principalmente de apontar, e mesmo denunciar, as condições precárias de vida da população em pleno século 21.
É uma estreia de peso de Chiwetel Ejiofor, que mostra atrás das câmeras o mesmo domínio que o transformou num dos atores ingleses de maior prestígio e mais premiados de sua geração. Tecnicamente impecável, O Menino que Descobriu o Vento estabelece um jogo de planos e enquadramentos entre a amplidão - e às vezes opressão - da intempestiva paisagem africana e os diálogos e rostos aflitos dos personagens. A trilha sonora é do brasileiro Antonio Pinto (O Banquete, A Hospedeira), que comenta, suave e contundente, a trajetória comovente de William e sua família.
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Ficha Técnica
Título: O Menino que Descobriu o Vento/The Boy Who Harnessed the Wind
Direção: Chiwetel Ejiofor
Duração: 113 minutos
País de Produção/Ano: Reino Unido, 2019
Elenco: Chiwetel Ejiofor, Maxwell Simba, Felix Lemburo, Robert Agengo, Fiskan Makawa, Lily Banda, Aïssa Maïga
Distribuição: Netflix
Drama
Se a Rua Beale Falasse/If Beale Street Could Talk
Por SUZANA UCHÔA ITIBERÊ
A assessoria de imprensa da Sony Pictures me preparou antes da exibição de Se a Rua Beale Falasse: “Leva o lencinho porque você vai chorar”. A reação, porém, foi outra. Fiquei tão travada com a resiliência dos protagonistas que não me achei no direito de derramar lágrimas. Preferi compartilhar a dor da revolta.
O diretor Barry Jenkins é o mesmo de Moonlight: Sob a Luz do Luar, que tirou o Oscar de melhor filme de La La Land na antológica cerimônia de 2017. Desta vez ele concorreu pelo roteiro, inspirado em romance de James Baldwin, polêmico ícone da luta pelos direitos civis nos anos 1960. É um texto melodramático e a trilha sonora (também indicada à estatueta) contribui com notas fortes.
O racismo volta à luz, agora ancorado em um amor inocente e verdadeiro. Tish (Kiki Layne) e Fonny (Stephan James) são inseparáveis desde a infância. Quando os hormônios entram em ebulição, ela engravida, só que anuncia a novidade ao amado através de um vidro - Fonny acaba de ser preso injustamente pelo estupro de uma mulher branca.
A luta para provar a inocência do rapaz movimenta a trama e abre espaço para Regina King brilhar como Sharon, a mãe de Tish. Era a favorita ao Oscar de atriz coadjuvante e levou a estatueta. São de Sharon as palavras de apoio à jovem gestante, assim como as verdades jogadas na cara da arrogante e despeitada mãe de Fonny. É Sharon, também, que se arrisca ao sair a campo atrás da testemunha que pode solucionar o caso.
Barry Jenkins não faz concessões. Se a Rua Beale Falasse é triste, duro, realista e, lamentavelmente, muito atual.
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Ficha Técnica
Título: Se a Rua Beale Falasse/If Beale Street Could Talk
Direção: Barry Jenkins
Duração: 120 minutos
País de Produção/Ano: EUA, 2018
Elenco: Kiki Layne, Stephan James, Regina King, Colman Domingo, Michael Beach, Diego Luna
Distribuição: Sony Pictures
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