quinta, 13 de fevereiro de 2025
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Varilux 23: Papo com a delegação francesa


Varilux 23: Papo com a delegação francesa

O Festival Varilux de Cinema Francês festeja seus 15 anos até dia 20 de novembro, com uma seleção de 20 filmes exibidos em mais de 100 cinemas brasileiros. A curadoria privilegia a cinematografia recente, com destaque para O Conde de Monte Cristo, que este ano atraiu 7 milhões de espectadores aos cinemas na França. Mas não deixa de homenagear seus clássicos.

Morto em agosto, o astro Alain Delon estampa o cartaz desta edição com uma imagem de O Sol por Testemunha (1960), versão do romance O Talentoso Ripley que está na programação. Grande mestre da Nouvelle Vague, François Truffaut também é celebrado, como tema do documentário O Roteiro da Minha Vida – François Truffaut.

OQVER já assistiu a cinco filmes do festival e teve a oportunidade de entrevistar atores, diretores e roteiristas que vieram ao País na delegação convidada. Confira a seguir nosso papo com representantes de O Conde de Monte Cristo, Bolero – A Melodia Eterna, O Sucessor, Apenas Alguns Dias e da coprodução Brasil-França, Madame Durocher.


Drama
O Conde de Monte Cristo/Le Comte de Monte Cristo

O Conde de Monte Cristo/Le Comte de Monte Cristo

Antes da estreia oficial no Brasil, no dia 5 de dezembro, a superprodução chega como chamariz do Varilux. Depois do sucesso de Os Três Mosqueteiros (2023), os roteiristas Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte assumem a direção e adaptam outra obra do romancista e dramaturgo francês Alexandre Dumas (1802-1870). Se a aventura dos Mosqueteiros foi dividida em duas partes, D’Artagnan e Milady, a saga de Edmond Dantès rende um envolvente épico de quase três horas de duração. “Nossa paixão é pela obra do Dumas”, diz Delaporte. “A sensação ao ler seus livros é que ele escreve como roteirista, ao criar tramas e personagens cinematográficos como os mosqueteiros, o Conde de Monte Cristo e a Rainha Margot.”

Não faltam elogios do cineasta ao ator Pierre Niney, que interpreta o protagonista com vigor. Alvo de uma armadilha, Edmond Dantès é preso injustamente no dia de seu casamento. Ele escapa catorze anos depois e encontra o tesouro que bancará sua vendeta, sob a identidade do conde do título. “A busca de Niney pelo personagem passou por diversas tentativas e muitas não deram certo, principalmente da maquiagem”, revela. “Passada essa parte, ele trabalhou nos gestos e na voz, até chegar o dia em que se apresentou no set como o Conde”. Delaporte conta que o mergulho foi tamanho que, na pós-produção, se houvesse algum ajuste de diálogo em dublagem, Niney não conseguia fazer a voz se não estivesse fisicamente paramentado como o personagem.  

O Conde de Monte Cristo/Le Comte de Monte Cristo

Patrick Mille dá vida a Danglars, um dos detratores que selam a descida de Dantès ao inferno, mas sua atuação não é maniqueísta. “No caso de Danglars, me permiti imaginar a infância e juventude dele, que não existe no romance”, explica. “Para entender suas maldades, considerei seus atos como resultado de todo tipo de abuso que ele teria sofrido como jovem corsário naqueles navios.” Na trama, Danglars perde o posto de capitão para Dantès e age sem pudor para tirá-lo do caminho.

Apesar da grandiosidade da produção, Mille ressalta que a dinâmica entre o corpo artístico era marcada pela camaradagem. “Criamos uma espécie de trupe teatral, com o elenco reunido durante todo o período das filmagens”, diz ao ator. Delaporte acrescenta que dessa união brota toda a carga emocional. “O filme é um imenso afresco, mas não deixa de lado a intimidade.”




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Ficha Técnica

Título: O Conde de Monte Cristo/Le Comte de Monte Cristo
Direção: Alexandre de La Patellière, Matthieu Delaporte
Duração: 178 minutos

País de Produção/Ano: França, Bélgica, 2024
Elenco: Pierre Niney, Bastien Bouillon, Anaïs Demoustier, Laurent Lafitte, Patrick Mille
Distribuição: Paris Filmes


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Festival Varilux

Drama
Bolero - A Melodia Eterna/Boléro

Bolero - A Melodia Eterna/Boléro

Raphaël Personnaz era garoto quando assistiu a Retratos da Vida (1981), ao lado da mãe. Nunca mais esqueceu da emblemática sequência final do épico de Claude Lelouch, em que o bailarino argentino Jorge Donn dança o “Bolero de Ravel” nos Jardins do Trocadéro, próximo à Torre Eifell. “É inacreditável que dure 17 minutos e a gente fica ali conectado, inebriado pelas sensações físicas que o espetáculo provoca”, diz. Na abertura de Bolero – A Melodia Eterna, há uma amostra de versões - do jazz, passando pela rumba até o hip hop - daquela que é considerada a música francesa mais tocada no mundo até hoje. Agora é a vez de seu compositor sair da penumbra e o mérito é da cineasta Anne Fontaine, que em 2009 assinou a cinebiografia Coco Antes de Chanel.

Conhecido por filmes como O Palácio Francês (2013) e Uma Nova Amiga (2014), Personnaz emagreceu 10 quilos para dar vida ao franzino Joseph Maurice Ravel (1875-1937). “Comecei minha preparação por questões mais práticas, como aprender a tocar piano e reger uma orquestra, e não pelo lado psicológico”, explica. “Depois começo a imaginar a postura, o gestual, o olhar.” Foi a pedido da dançarina russa Ida Rubinstein (1885-1960) que Ravel compôs o bolero. Uma hipnótica melodia uniforme e repetitiva, com o tambor marcando o ritmo e a entrada cadenciada de instrumentos como clarinete, oboé, saxofone soprano e trombone.

Bolero - A Melodia Eterna/Boléro

A narrativa se debruça sobre o período de composição da obra, entre julho e outubro de 1928, mas se permite viajar no tempo para resgatar a relação com a mãe, os percalços no início da carreira e a traumática participação na Primeira Guerra. Anne Fontaine trabalha o som de forma singular. “Aprendi que para os músicos e compositores, os barulhos são inspiradores, são música para os ouvidos deles”, conta o ator. Nenhum som passa despercebido para Ravel, sejam as máquinas de uma fábrica, o cantar de um pássaro ou o roçar de uma luva sobre a pele. “Há erotismo e sensualidade nesse processo criativo.”

A pessoa mais próxima de Ravel nessa etapa foi Misia Natanson (1872-1950), pianista, patrona e musa de artista célebres como Toulouse-Lautrec, Pierre Bonnard e Renoir. Admiradores que não podiam pintar escreveram poemas e músicas para ela. Personnaz observa que a vida amorosa de Ravel foi pouco documentada. “A sexualidade dele não fica definida, é como se ele fosse uma espécie de padre que coloca toda sua sensualidade na música”, diz. “Ele fala para Misia no filme ‘Eu poderia te amar, mas prefiro compor pra você'.” Bolero será distribuído no Brasil pela Mares Filmes.




Trailer

Ficha Técnica

Título: Bolero - A Melodia Eterna/Boléro
Direção: Anne Fontaine
Duração: 120 minutos

País de Produção/Ano: França, Bélgica, 2024
Elenco: Raphaël Personnaz, Doria Tillier, Jeanne Balibar, Vincent Perez
Distribuição: Mares Filmes


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Festival Varilux

Drama Thriller
O Sucessor/Le Successeur

O Sucessor/Le Successeur

Xavier Legrand ganhou o César 2019 de melhor filme e melhor roteiro original por Custódia, um arrasador drama sobre a disputa pela guarda de um filho. Em O Sucessor, o cineasta dá forma a um novo redemoinho familiar, mas desta vez em assumido flerte com o thriller psicológico. Ele segue os passos de Elias (Marc-André Grondin), que se torna o novo diretor artístico de uma renomada casa de Alta Costura francesa. A ciranda midiática é interrompida pela notícia da morte de seu pai, com quem não mantinha contato há anos. Meio a contragosto, Elias viaja a Quebec para resolver questões da herança e é na antiga casa da família que descobre ter herdado algo muito mais complicado do que apenas o coração frágil do pai.

“A família é um tema universal e a gente entende que o ambiente caseiro é o espaço em que se está mais em segurança, mas é também o que pode nos colocar mais em perigo”, afirma Legrand sobre seu fascínio pela temática. “O patriarcado também é uma questão que se repte em qualquer nação e qualquer tempo, com o pai como a figura dominadora no comando de relações conturbadas.” O diretor explica que a glória profissional do protagonista retratada no início é fundamental para a narrativa. “Como vamos falar da queda desse homem, é preciso que ele esteja no mais alto pedestal, para que depois faça uma descida vertiginosa ao caos.”

O Sucessor/Le Successeur

Legrand define O Sucessor como um “assassinato da identidade”. O que Elias descobre na residência e a maneira com a qual lida com a monstruosidade é uma desconstrução não só da figura paterna, mas de si próprio. “Há algo de religioso nesse legado nada divino de pai para filho”, afirma. Grande parte da trama se passa na casa e a câmera de Legrand percorre sinuosamente cômodos, portas, móveis e escadas, num virtuoso paralelismo com o estado psíquico do protagonista.

“Marc-André Grondin enfrentou enormes desafios nessa viagem física, emocional e lacrimal”, conta o cineasta. “Pense que na maior parte do tempo ele contracena com objetos, não pessoas.” Para facilitar seu trabalho, as filmagens foram em ordem cronológica: da ida de Paris a Quebec, do encontro com um passado obscuro, da negação do presente, da realidade que bate avassaladora na inquietante sequência do enterro. É muito forte.   




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Ficha Técnica

Título: O Sucessor/Le Successeur
Direção: Xavier Legrand
Duração: 112 minutos

País de Produção/Ano: França, Canadá, Bélgica, 2024
Elenco: Marc-André Grondin, Yves Jacques, Anne-Elisabeth Bossé
Distribuição: Bonfilm


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Drama
Por Alguns Dias/Quelques Jours Pas Plus

Por Alguns Dias/Quelques Jours Pas Plus

Arthur Berthier (Benjamin Biolay) é um badalado crítico de música, que se vê relegado às reportagens gerais após destruir um quarto de hotel em uma noite de bebedeira. Sua primeira missão é cobrir a desocupação de um campo de refugiados nos arredores de Paris, e no meio do confronto acaba ferido pela polícia. A cena é fotografada, ganha as manchetes e Berthier involuntariamente se torna o rosto da causa a favor dos imigrantes. Para ele, a confusão toda serviu pelo menos para uma coisa: conhecer Mathilde (Camille Cottin), uma advogada que largou a carreira para ser a líder da associação Solidariedade Exilados. É para agradá-la que concorda em abrigar o jovem afegão Daoud, crente de que de será, como anuncia o título, por Apenas Alguns Dias.

A história nasceu de uma experiência real vivida por Marc Salbert, que a transformou em livro e depois no roteiro que dá origem ao filme. Quem dirige é sua esposa, a estreante Julie Navarro. “Embaixo do prédio em que morávamos em Paris vivia um grupo de imigrantes que se abrigava em tendas”, ele conta. “Queria abordar essa realidade que passou a fazer parte do meu cotidiano, mas não de uma forma didática, por isso pensei na relação entre esse jornalista e um refugiado.”

Por Alguns Dias/Quelques Jours Pas Plus

Salbert revela que o afegão Daoud é um verdadeiro refugiado que chegou à França três anos atrás, e foi descoberto pela diretora de casting em um restaurante em Paris. Ela o filmou cortando cebolas e mandou para a diretora, que se apropriou de suas habilidades culinárias para criar o personagem que promove a aproximação do jornalista não só com a ativista, mas com a filha adolescente. Durante as filmagens, Salbert ficou na posição de observador e se divertiu ao ver que seu roteiro foi se modificando organicamente, porque a maior parte do elenco é formada por atores amadores.

“Coisas fantásticas surgiram da improvisação, o texto muda, não é uma Bíblia, e para os profissionais foi um desafio”, revela. “Eles estudavam o roteiro, decoravam os diálogos e esperavam a réplica, que às vezes não vinha como planejado.” O escritor acrescenta que foi um aprendizado para todos, uma adaptação mútua que gerou uma dinâmica naturalista. Claro que os “apenas alguns dias” do título duram muito mais que o esperado. O viés político e social é tratado com leveza em um enredo que mescla drama, humor e romance para, no fim das contas, iluminar a reconstrução de uma família. “As mudanças que Daoud provoca na vida do protagonista mostram a importância da abertura ao outro e isso tem comovido o público”, conclui.




Trailer

Ficha Técnica

Título: Por Alguns Dias/Quelques Jours Pas Plus
Direção: Julie Navarro
Duração: 103 minutos

País de Produção/Ano: França, 2024
Elenco: Camille Cottin, Benjamin Biolay, Amrullah Safi
Distribuição: Bonfilm


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Festival Varilux

Drama Biografia
Madame Durocher

Madame Durocher

Mãe e filha na fase inicial de Madame Durocher, Marie-Josée Croze e Jeanne Boudier admitem que nunca tinham ouvido falar de Marie Josephine Mathilde Durocher (1809-1893). A francesa entrou para a história como a primeira mulher a obter o título de parteira no Brasil e a se tornar membro oficial da Academia Nacional de Medicina. “Descobri a personagem no roteiro e então fui pesquisar sua vida na internet, mas as informações são escassas”, diz Marie-Josée, que na trama faz Anne, a florista francesa que migrou para o Brasil com a filha pequena, e no Rio de Janeiro tentou se estabelecer como modista. “Não me surpreende ela ter sido invisibilizada, a gente vê constantemente o trabalho de mulheres sendo apropriado na arte, na ciência, na literatura.”

Dirigida por Dida Andrade e Andradina Azevedo, a dupla de Eike, Tudo ou Nada (2022), a coprodução entre Brasil e França faz um belo trabalho de reconstituição de época para emoldurar uma história marcada por conquistas, tragédias e uma luta constante contra o machismo e o preconceito da sociedade. “Quando li o roteiro, achei que era ficcional, porque há tantas reviravoltas na vida dela”, comenta Jeanne, atriz francesa que cresceu no Brasil e fala português com perfeição. “O marido assassinado por engano, a morte da mãe, o filho na guerra, o estupro, parece filme mesmo.” Na cena da violência sexual, uma das mais fortes, Jeanne conversou com os diretores para investir no realismo. “No início me pareceu fake, mas eles ouviram e seguiram minhas sugestões.”

Madame Durocher

A atriz brasileira Sandra Corveloni interpreta Durocher na fase adulta, período em que se destacou não só no atendimento de indigentes e prostitutas, como foi nomeada parteira da Casa Imperial. Atendeu inclusive a Imperatriz Tereza Cristina no parto da Princesa Leopoldina, filha de D. Pedro II. Em busca de espaço e respeito, a parteira adotou um visual masculinizado, no filme recriado pela estilista brasileira Lethicia Bronstein. Em documentos, Durocher relata: “meu exterior deveria inspirar uma moral aos meus pacientes do sexo feminino, dando-lhes confiança e distinguindo a parteira das mulheres comuns”. Em sessenta anos de profissão, ela teria realizado mais de 5 mil partos.

Isabel Fillardis, Armando Babaioff, Fernando Alves Pinto, Flávia Souza e Thierry Trémouroux também estão no elenco, que conta ainda com André Ramiro e Nelson Baskerville como atores convidado, além da participação especial de Mateus Solano. 




Trailer

Ficha Técnica

Título: Madame Durocher
Direção: Andradina Azevedo, Dida Andrade
Duração: 120 minutos

País de Produção/Ano: Brasil, França, 2024
Elenco: Marie-Josée Croze, Sandra Coverlone, Jeanne Boudier, Isabel Fillardis, Armando Babaioff, André Ramiro, Mateus Solano
Distribuição: Elo Studios


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Festival Varilux

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Suzana Uchôa Itiberê

Suzana Uchôa Itiberê

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Cinéfila incorrigível, jornalista de plantão, crítica de cinema (não muito) chatinha e editora caprichosa. Cria do jornal O Estado de S. Paulo, trabalhou nas revistas TVA, Set, Istoé Gente e foi cofundadora da revista Preview. Membro da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema).

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