Não é porque são animações que Divertida Mente, Wall-E e A Viagem de Chihiro ficam de fora da lista dos melhores filmes de todos os tempos. Esses três vencedores do Oscar de animação estão aqui reunidos como exemplos primorosos de como é possível falar de temas complexos para o público infantil - e de quebra encantar o adulto.
A importância da tristeza e o pensamento abstrato em Divertida Mente, a solidão e a sustentabilidade em Wall-E, e a indústria de consumo e a busca da identidade em A Viagem de Chihiro.
Animação
Divertida Mente/Inside Out
por SUZANA UCHÔA ITIBERÊ
Divertida Mente provoca espanto. Como uma animação voltada ao público infantil pode falar de forma tão lúdica e leve sobre temas complexos como memória, personalidade, pensamento abstrato e depressão? A obra-prima da Pixar ganhou todos os prêmios possíveis, inclusive o Oscar 2016 de melhor animação. A ideia de viajar pela mente de uma garotinha veio de Peter Docter, diretor de Monstros S.A. e Up – Altas Aventuras, que observou com estranheza sua filha, sempre tranquila e alegre, de repente parecer nervosa e tristonha.
O que se passa naquela cabecinha? Pois a mente da pequena Riley, nossa protagonista, torna-se o cenário dessa aventura extraordinária. Na estação de comando estão as emoções primordiais: Alegria (voz original de Amy Poehler), Medo (Bill Hader), Tristeza (Phyllis Smith), Raiva (Lewis Black) e Nojinho (Mindy Kaling). Alegria é a líder, que faz de tudo para afastar Tristeza e deixar o estoque de memórias de Riley tomada por momentos felizes. São essas lembranças que erguem as ilhas de personalidade, entre elas Família e Amizade.
Mas alguma coisa acontece quando a pré-adolescente Riley muda-se com ao pais de Minnesota para São Francisco. Conforme ela e suas emoções se esforçam para se adaptar à nova vida, começa uma agitação no centro de controle. Um evento inesperado faz com que Alegria e Tristeza sejam lançadas da torre para as ilhas de personalidade, e Raiva, Medo e Nojinho não têm escolha a não ser ficar no comando. A viagem de volta será uma atribulada corrida contra o tempo, enquanto a situação de Riley fica cada vez mais complicada.
Peter Docter e o codiretor Ronnie del Carmen encontram na psicologia respostas para a busca pela felicidade. O que eles explicam com toda ternura nessa animação primorosa é que o ser humano é um caldeirão de emoções nem sempre em equilíbrio e harmonia. E que ninguém é só Alegria e está tudo bem, é natural. Mas o mais importante na mensagem de Divertida Mente é a valorização da Tristeza como parte fundamental do processo de amadurecimento. Maravilhoso.
Trailer
Ficha Técnica
Título: Divertida Mente/Inside Out
Direção: Pete Docter, Ronnie Del Carmen
Duração: 95 minutos
País de Produção/Ano: EUA, 2015
Elenco: Com as vozes originais de, Amy Poehler, Bill Hader, Lewis Black, Phyllis Smith
Distribuição: Disney
Animação
Wall-E
por FÁTIMA GIGLIOTTI
Obra-prima que se preze tem que ser atemporal, um filme ao qual podemos sempre voltar e reencontrar nele novos encantos e sentidos. Wall-E, a nona animação da Pixar, merecidamente coberta de prêmios, dentre eles o Oscar 2009 de melhor animação, é assim. A saga futurista do robozinho solitário, por 700 anos encarregado de limpar o lixo que os humanos produziram a ponto de destruir o planeta, parece ainda mais adorável e, estranhamente, profética.
O diretor Andrew Stanton (Procurando Nemo) estava especialmente inspirado ao escrever o roteiro, em parceria com Jim Reardon (WiFi Ralph: Quebrando a Internet). Cercou-se de uma equipe matadora, que rendeu seis indicações ao Oscar, e trouxe até o diretor de fotografia Roger Deakins (Oscar por 1917 e Blade Runner 2049) como consultor para calibrar as câmeras virtuais e não-virtuais, já que Wall-E foi o primeiro filme da Pixar a ter cenas live-action.
Wall-E tem momentos de ópera visual, cinema puro, com seus diálogos minimalistas e exuberantes imagens e movimentos de câmera. Os primeiros 30 minutos são de arrepiar. A panorâmica pela Terra devastada, tomada pelo lixo. A “casa” cheia de souvenirs nostálgicos de tempos mais alegres, onde Wall-E descansa após seu árduo trabalho embalado pelas canções do musical Alô, Dolly! (1969). O encontro com o robô Eve, em sua viagem de rotina para procurar alguma espécie de vida no planeta, por quem Wall-E se apaixona ao som de La Vie em Rose, na clássica gravação de Louis Armstrong.
Eve acha a muda de uma plantinha guardada por Wall-E, que pode desviar o destino incerto dos humanos de volta à Terra. O casal terá uma aventura caótica para cumprir sua missão, em meio aos sobreviventes obesos e hipnotizados pela tecnologia, que há sete séculos habitam a aeronave Axioma. Mas há tempo para uma das mais lindas sequências da história da animação, o balé espacial de Wall-E e Eve ao som da inspirada trilha sonora de Thomas Newman (007 - Operação Skyfall).
Quando os belíssimos créditos finais recontam a história da humanidade com obras de arte, nos resta um profundo suspiro. Não apenas pela beleza e emoção chaplinianas, ou por seu comovente apelo ecológico, ou ainda pela simpatia incômoda de robôs parecerem mais humanos que os humanos, mas pela esperança que anuncia.
Trailer
Ficha Técnica
Título: Wall-E
Direção: Andrew Stanton
Duração: 98 minutos
País de Produção/Ano: EUA, 2008
Elenco: Com as vozes originais de, Ben Burtt, Elissa Knight, Jeff Garlin
Distribuição: Disney
Animação
A Viagem de Chihiro/Sen to Chihiro no Kamikakushi/Spirited Away
O Studio Ghibli, criado em 1985 no Japão, é uma das melhores produtoras de animação do mundo. A Viagem de Chihiro ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim 2002, o Oscar 2003 de melhor animação e o BAFTA 2004 de melhor filme de língua não inglesa, além de consagrar o talento de Hayao Miyazaki (O Castelo Animado), que recebeu um merecido Oscar honorário pelo conjunto da obra em 2015.
Com sua beleza e qualidade técnica incomparáveis, inclusive da trilha sonora do parceiro habitual do Ghibli, Joe Hisaishi, o filme já nasceu um clássico atemporal capaz de agradar crianças e adultos. A viagem da pequena Chihiro por um mundo fantástico, onde oito milhões de almas buscam repouso, é também uma íntima jornada interior face a imensos e intensos desafios pessoais e sociais.
Com seus 10 anos, Chihiro está a caminho da nova casa. Lamenta a despedida dos amigos e da escola, e aperta junto ao peito o buquê de flores que recebeu, mas seus pais não parecem muito preocupados. Um erro no caminho os leva até um portal, e os três atravessam o longo túnel para chegar ao que parecia ser um parque de diversões abandonado, mas é na verdade o domínio da bruxa má Yubaba. Anfitriã de estranhas almas, gananciosa e implacável com quem lhe toma o tempo sem dar nada em troca, ela costuma transformar em animais num piscar de olhos os humanos atrevidos, como os pais de Chihiro, que cobiçaram e comeram a refeição dos seus “clientes” e viraram gordos porcos.
Assustada e perdida, Chihiro recebe a ajuda do doce Haku para sobreviver naquele lugar tão mágico quanto esdrúxulo, onde humanos só são aceitos se trabalharem arduamente. Yubaba mantém seu poder roubando-lhes o nome, e rebatiza a novata de Sen. Foi assim que o mestre-menino Haku se tornou o capataz da bruxa, mas ele está decidido a ajudar Chihiro a não esquecer de si própria, como aconteceu com ele, salvar os pais e voltar para o mundo dela.
O rico simbolismo da história e das imagens multiplica os sentidos e as sensações de quem viaja com Chihiro. A crítica à indústria do consumo e exploração do trabalho é mordaz. Não foi à toa que a própria Disney decidiu lançar A Viagem de Chihiro nos cinemas norte-americanos, sob a supervisão cuidadosa de John Lasseter (a franquia Toy Story, Carros).
Trailer
Ficha Técnica
Título: A Viagem de Chihiro/Sen to Chihiro no Kamikakushi/Spirited Away
Direção: Hayao Miyazaki
Duração: 125 minutos
País de Produção/Ano: Japão, 2001
Elenco: Com as vozes originais de, Rumi Hiiragi, Miyu Irino, Mari Natsuki
Distribuição: Netflix
Comentar
Comentários (0)