Faz um tempo que derramei lágrimas ao ver e rever uma cena que chegou a mim por conta do algoritmo das redes sociais. Um senhor na plateia de um programa de auditório da rede inglesa BBC, em 1988, tem sua façanha revelada ao público pela primeira vez. Cinquenta anos antes, no iminente início da Segunda Guerra, o britânico Nicholas Winton foi peça fundamental na evacuação de 669 crianças judias de Praga. Pois ali mesmo, sentado na primeira fila, ele descobre que está cercado por algumas delas.
Uma Vida – A História de Nicholas Winton recria dois períodos que o levaram até aquele momento único. O filme se baseia na biografia escrita pela filha dele, Barbara Winton, publicada aqui pela Cultrix. Como se não bastasse a dimensão dos fatos, o diretor James Hawes tem em Sir Anthony Hopkins seu maior chamariz. Vencedor do Oscar por O Silêncio dos Inocentes (1991) e Meu Pai (2020), o astro britânico abraça o personagem quase octogenário, quando decide desenterrar o passado.
Sua versão jovem é interpretada por Johnny Flynn (Emma), que não só estudou as poucas imagens de Winton daquela época, como assistiu a Hopkins nos sets antes de filmar a sua parte. Dessa observação, adotou a mania do personagem de ajeitar os óculos quando estava tenso, além da hesitação vocal no início das frases. Na maturidade, o enredo salienta o estado emocional de Winton, incapaz de superar o destino dos pequenos que não embarcaram a tempo. Na primeira etapa, porém, o enfoque é no empenho e na coragem do jovem imbuído de compaixão.
Nascido em Londres, de pais judeus-alemães, ele tinha 29 anos e era corretor da bolsa de valores quando, em 1938, mudou a rota das férias de esqui na Suíça ao receber o chamado de um amigo que estava em Praga. A missão era salvar ao menos as crianças das famílias judias refugiadas na Tchecoslováquia, antes da ocupação pelos nazistas. A corrida para arranjar fundos, emitir vistos, colocá-las no trem sem os pais e ainda encontrar lares adotivos na Inglaterra, ergueu um mutirão de salvamento.
Na trama, duas mulheres são marcantes na trajetória do protagonista. Sempre ótima, Helena Bonham Carter (Enola Holmes) é a mãe pulso firme que pressiona a máquina burocrática londrina. E Lena Olin (Chocolate) vive a dinamarquesa Grete, esposa e mãe dos três filhos, que o apoiou a tornar público o caderno em que documentou todo o resgate. Após 30 anos dedicados a produções para a TV, James Hawes faz uma estreia discreta no cinema. Em entrevistas, diz que evitou o melodrama e se concentrou em narrar os fatos com honestidade. Teve, inclusive, permissão para filmar na verdadeira estação ferroviária de Praga.
Mais incrível ainda, conseguiu reunir sobreviventes do grupo de crianças e/ou seus descendentes, que hoje se intitulam “Filhos de Nicky”. São eles que formam a plateia na reconstituição do That’s Life, o programa que revelou ao mundo o legado de Winton e de outros “anjos” anônimos nesse episódio da Segunda Guerra. A operação humanitária ficou conhecida como Kindertransport (transporte de crianças em alemão). Com remoções também na Alemanha, Polônia e Áustria, levou para solo inglês cerca de 10 mil crianças judias. Como cinema, Uma Vida é um drama emocionante, embora de formato convencional. Extraordinária é sua história real, que merece ser contada e recontada.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Uma Vida - A História de Nicholas Winton/ One Life
Direção: James Hawes
Duração: 110 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Reino Unido, 2023
Elenco: Anthony Hopkins, Johnny Flynn, Helena Bonham Carter, Lena Olin, Romola Garai, Jonathan Pryce, Alex Sharp, Marthe Keller
Distribuição: Diamond Films
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