Até a pouco tempo atrás, terapia era vista como coisa de gente doida, dinheiro jogado fora. Melhor mesmo era falar com um padre ou confiar no seu Deus, contar com a religião. É desse registro do senso comum em relação à terapia de modo geral, e à psicanálise em especial, com direito a um quadro de Sigmund Freud pendurado na parede, que a diretora e roteirista francesa Manele Labidi parte para construir a narrativa de Um Divã na Tunísia. E também para colocar a Tunísia contemporânea no divã.
Em seu primeiro longa-metragem, Manele conquistou uma indicação ao prêmio César, o Oscar do cinema francês, de Melhor Filme de Estreia. Exibido na mostra Jornada dos Autores, no Festival de Veneza 2019, Um Divã na Tunísia conquistou o Prêmio do Público de Melhor Filme. De fato, com uma comédia dramática de esquetes e situações, a diretora parecia ter como prioridade divertir o grande público.
Tanto, que preferiu não investir numa caracterização de personagens muito elaborada, nem mesmo da protagonista, Selma, papel da ótima atriz iraniana Golshifteh Farahani, que circula com seu talento em blockbusters como Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar e Resgate, e produções independentes como Filhas do Sol e Paterson. Selma é a psicanalista tunisiana que viveu e estudou em Paris a maior parte da vida, e agora, com 35 anos, decide voltar ao seu país natal e abrir uma clínica em Tunes, capital, no último andar do prédio de sua família.
É isso que sabemos dela, e são as agruras que Selma tem de superar para conseguir trabalhar que vamos acompanhar ao longo do filme. Junto delas, uma galeria de personagens resistentes, como seu tio alcoólatra dissimulado; preconceituosos, como os policiais que a confundem com uma prostituta; problemáticos, como a sobrinha que prefere um casamento de conveniência com um gay para sair do país; desafiadores, como o vizinho deprimido; e divertidos, alguns hilários inclusive, como o padeiro que sonha com políticos e reprime sua natureza trans. São peças do quebra-cabeças de uma cultura e um país em transformação, agitado, colorido, dividido entre a tradição e o futuro incerto.
Pelo divã de Selma passam grande parte deles, a quem ela precisa explicar o que faz e atende com o distanciamento próprio de uma sessão de psicanálise. Entretanto, quando se trata da readaptação às suas raízes, é seu país quem a coloca no divã. Selma simboliza a estrangeira com complexo de superioridade que acaba enganada pelo vendedor de carros, suspensa pela burocracia labiríntica e acuada por um policial, Naim (Majd Mastoura, A Amante), na relação mais controversa e mal resolvida do filme. Como a da própria diretora com a psicanálise, aliás.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Um Divã na TunÃsia/Un Divan à Tunis
Direção: Manele Labidi
Duração: 88 minutos
PaÃs de Produção/Ano: França/TunÃsia, 2019
Elenco: Golshifteh Farahani, Majd Mastoura, Aïsha Ben Miled, Feryel Chammari, Hichem Yacoubi, Najoua Zouhair
Distribuição: Imovision