Uma animação com o propósito de explorar o sentido da vida? Para o diretor e roteirista Pete Docter, apresentar assim a nova produção da Pixar parecia soar pomposo e arrogante. Não é nada disso. Soul é uma animação metafísica e musical, transcendental mesmo, esteticamente deslumbrante. É um verdadeiro presente de fim de ano, um convite para repensar este atribulado 2020, renovar o espírito e recomeçar em 2021, tenha ou não encontrado o propósito de vida, “vivendo cada minuto”.
No ano da consagração do streaming na indústria do entretenimento, o lançamento de Soul dispensou as salas de cinema e aterrissou diretamente na plataforma do Disney+ com altíssimas credenciais. Pete Docter ganhou dois Oscar de melhor animação, por Up: Altas Aventuras (2009) e Divertida Mente (2015), que ainda lhe deram duas indicações de melhor roteiro, somadas às de Toy Story (1995) e Wall-E (2008). Em parceria com o afro-americano Kemp Powers, estreando na direção, Docter realizou o primeiro filme da Pixar com um protagonista afro-americano, à frente de uma equipe de produção inclusiva, que contou com um Conselho Cultural para garantir fidelidade à realidade retratada.
Na trilha sonora, Trent Reznor e Atticus Ross, da banda Nine Inch Nails, vencedores do Oscar por A Rede Social, e do Emmy, pela série Watchmen, dividiram as composições com o virtuoso pianista Jon Batiste (The Late Show with Stephen Colbert), encarregado das composições de jazz. Batiste disse que “queria criar o que eu chamo de jazz amigável. Para dar uma sensação de acessibilidade, aos que não são ouvintes ou fãs de jazz”. Conseguiu. Dando voz aos personagens estão estrelas do calibre de Jamie Foxx (Luta por Justiça), como Joe; Tina Fey (série Amor Moderno), como 22; o apresentador Graham Norton (The Graham Norton Show), como Bicho-Grilo; Angela Bassett (Mãe e Muito Mais), como Dorothea; e a brasileira Alice Braga (A Cabana), como Zé.
No jogo dos sentidos da palavra soul, que em inglês significa tanto alma como o gênero musical afro-americano, influenciado pelo jazz, o blues e o gospel, a animação acompanha Joe em sua vida no Queens, em Nova York, e em sua morte, no Além-Vida. É isso mesmo! Joe é um professor de música prestes a ser contratado em período integral com benefícios, quando surge a chance de integrar o quarteto de jazz da famosa Dorothea Williams. Pianista talentoso, fã inveterado de jazz, Joe sempre perseguiu uma chance como essa, apesar dos protestos de sua mãe. Mas depois de uma audição inspirada para Dorothea, sentiu-se tão eufórico que não viu um enorme buraco no chão.
Quando percebe, está na longa escada que conduz a um outro plano de vida. Mas ele resiste o quanto pode, porque quer realizar o seu sonho de tocar jazz. Acaba entrando no plano da Pré-Vida, onde as almas prestes a vir para a Terra ganham suas personalidades. Lá, é encarregado pelos mentores, todos chamados Zé, de cuidar da 22, uma alma antiga que se recusa a viver, apesar de ter sido aprendiz de grandes mestres, de pensadores gregos a Gandhi e Madre Teresa de Calcutá. Os dois acabam na Escola da Alma, mas 22, a vigésima segunda alma do Além-Vida, já sabe tudo de lá. Joe tem o privilégio, inclusive, de rever os momentos mais marcantes da sua vida.
Penalizada com a tenacidade de Joe, 22 lhe apresenta Bicho-Grilo e sua trupe dos Místicos Sem Fronteiras, que vivem no Plano Astral entre a vida e a morte e podem devolver almas torturadas, do Limbo, a seus corpos. Mais uma vez apressado, Joe acaba levando 22 consigo de volta ao Queens, e os dois, não exatamente como gostariam, vão fazer de tudo para que ele, finalmente, faça sua estreia nos palcos. Nas ruas coloridas, cheias de gente, de cheiros e de sensações de Nova York, entre os amigos e a família de Joe, 22 talvez consiga, finalmente, descobrir por que as almas querem tanto ganhar vida.
A maneira como Docter, Powers e sua talentosa trupe da Pixar cria e produz essa história animada é sublime. Nova York ganha a textura e a luz de uma realidade arrebatadora. Os diversos planos etéreos do Além-Vida, com seus grafismos e suas cores cintilantes derivadas dos sete tons do arco-íris, suas criaturas esculpidas em espectros de luz, são de uma plasticidade impressionante. Sequências breves como a passagem de Joe e 22 pela Zona, o espaço entre o espiritual e o físico, ou pelo Limbo, vão somando mais camadas à proposta já transcendente de Soul, que a música eleva às alturas. Soul é uma viagem única e encantadora, uma obra-prima do gênero.
Mais: Na plataforma Disney+, é possível assistir ainda, legendados, a seis curtos filmes de extras, sobre a complexa realização da animação.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Soul
Direção: Pete Docter, Kemp Powers
Duração: 100 minutos
PaÃs de Produção/Ano: EUA, 2020
Elenco: Jamie Foxx, Tina Fey, Graham Norton, Angela Bassett, Rachel House, Alice Braga, Richard Ayoade
Distribuição: Disney Pixar