Não é só a timidez e o olhar baixo que entrega a inadequação de Oliver Quick ao aristocrático universo dos alunos da renomada Oxford. Mas lá está ele, bolsista, com seu terninho desajustado e o cabelo engomado, pronto para ser o outsider esquisitão do ano que se inicia. Mas liguem os radares, porque Oliver é também o narrador de Saltburn. Logo de cara, ele abre o jogo sobre seu fascínio por um colega, Felix Catton, que está no topo da pirâmide da beleza, popularidade, classe e riqueza. Irresistível, basicamente.
Indicado ao Oscar de coadjuvante por Os Banshees de Inisherin (2022), o irlandês Barry Keoghan faz um visceral pas de deux com Jacob Elordi. Revelado em A Barraca do Beijo (2018) e catapultado para a fama pela série Euphoria (2019), o australiano é o galã (talentoso) do momento. Sim, eles são Oliver e Felix na subversiva sátira não só da bolha dos privilegiados, mas da bizarra estrutura de poder representada por Saltburn. O título da produção da Prime Video é também o nome da suntuosa propriedade da família de Felix, onde Oliver dá um jeitinho de ser convidado para passar as férias de verão. Um verão sem igual.
Antes de se aventurar, um aviso: quem escreve e dirige Saltburn é a inglesa Emerald Fennell, vencedora do Oscar de melhor roteiro original por Bela Vingança (2020). Estrelada por Carey Mulligan, a estreia da cineasta foi um provocador, trágico, pop e radical libelo contra a violência contra a mulher – e aqui vale a repetição de palavras. Emerald faz um cinema enfático, embebido em um humor ácido que definitivamente não agrada a qualquer paladar. Em seu segundo longa, o incômodo é ainda maior.
No excêntrico mundo de Saltburn, Carey aparece na pele da depressiva Pamela, um dos muitos adornos dos Catton. Explico. Felix é filho de Elspeth (Rosamund Pike) e Sir. James (Richard E. Grant), e irmão de Venetia (Alison Oliver). Tudo ao redor desse quarteto, seja humano ou objeto, pode ser descartado sem aviso caso não tenha mais serventia. Simples assim. Além de Oliver e Pamela, outro hóspede em Saltburn é Farleigh (Archie Madekwe), que se considera um adereço fixo e quer se livrar da concorrência masculina.
A trama é ambientada em 2006, um distanciamento temporal que permite que Saltburn seja um microcosmo quase isolado, sem as janelas virtuais das redes sociais. Mesmo assim, sobra contemporaneidade nessa família negacionista da própria vaidade e de todo e qualquer problema que ronde sua festiva rotina. Talvez por isso, por se acreditarem soberanos, os Catton não percebam que abriram as portas para um ser vampiresco - Oliver, ele mesmo. A cineasta recorre a extremos físicos e psicológicos para revelar a verdadeira natureza do vassalo, à primeira vista sedento de desejo apenas pelo príncipe do castelo.
Há cenas grotescas de embrulhar o estômago, apesar de toda a beleza da fotografia e da direção de arte. É preciso ressaltar a coragem da diretora, que abraça a perversão em reviravoltas que desdenham do realismo e se dão o luxo do inexplicável. O golpe final passa do ponto, mas a essa altura tudo é possível, inclusive a catártica sequência de nudez no desfecho. Ame ou odeie, Saltburn triunfa naquilo que Emerald e a produtora Margot Robbie (à frente da LuckyChap Entertainment) consideram primordial: é impossível ficar indiferente.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Saltburn
Direção: Emerald Fennell
Duração: 131 minutos
PaÃs de Produção/Ano: EUA, Reino Unido, 2023
Elenco: Barry Keoghan, Jacob Elordi, Rosamund Pike, Richard E. James, Archie Madekwe, Carey Mulligan, Alison Oliver
Distribuição: Prime Video
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