Relatos do Mundo

Em seus 40 anos de carreira, o máximo que Tom Hanks voltou no tempo através do cinema foi para o período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), em filmes como O Resgate do Soldado Ryan e Greyhound: Na Mira do Inimigo. Embora seja a voz do caubói Woody na saga animada Toy Story, é em Relatos do Mundo que o mais popular “bom moço” de Hollywood finalmente estreia no faroeste. Quem comanda a viagem é outro novato no gênero, Paul Greengrass, que repete a parceria com Hanks sete anos depois de Capitão Phillips.

A mudança não é só de cenário, mas de ritmo. A câmera nervosa que seguiu Matt Damon na franquia Jason Bourne, a mesma que acompanhou a frenética movimentação de passageiros e terroristas em Voo United 93, desta vez contempla as áridas pradarias do Velho Oeste. É por aquelas bandas que anda o sofrido Capitão Jefferson Kyle Kidd (Hanks), que não se recuperou dos horrores da Guerra Civil (1861-1865) e agora ganha um dinheirinho como contador de histórias. Ele viaja de cidade em cidade para ler jornais para as comunidades.

A inusitada profissão fica de escanteio na trama quando ele cruza com Johanna (Helena Zengel, Transtorno Explosivo), uma menina dona de uma trágica história. Os pais, imigrantes alemães, foram assassinados pelos nativos da tribo Kiowa, que a rapataram e criaram, mas que agora foram mortos por colonizadores. Diante do descaso das autoridades, Kidd toma para si a missão de levar Johanna até os tios. Inspirado no romance News of the World, de Paulette Jiles, o diretor Paul Greengrass coloca os dois na estrada para observar um mundo em transformação e, de quebra, espelhar a realidade atual.

Derrotados na guerra pela União, os Confederados do sul resistem à abolição da escravidão e ao fim dos latifúndios. É uma América polarizada a retratada por Greengrass. A opressão e a intolerância são constantes na travessia de Kidd e Johanna, mas a manipulação e a desinformação também se fazem presentes. Em uma das paradas, um senhor de terras paga Kidd para que leia o jornal que ele próprio produz, porém o capitão prefere dar notícias de uma pequena cidade da Pensilvânia, ao norte do país. Ele narra ao povo explorado o caso dos mineiros mortos pelo fogo em uma mina de carvão, fala do descaso do proprietário e da revolta dos sobreviventes contra as condições de trabalho. Mensagem dada e pé na estrada para fugir da ira do contratante.

Apesar dos ânimos alterados, há pouca ação. O confronto citado acima e o ataque de três criminosos que pretendem sequestrar Johanna respondem pelas cenas mais movimentadas. Tom Hanks emana dignidade como o ponderado Kidd, enquanto a esplêndida Helena Zengel faz de sua “alemã aborígene” um ser tão frágil quanto selvagem - a estrela mirim está indicada ao Globo de Ouro de coadjuvante. É um encontro entre opostos. Ele enxerga a vida como uma linha reta, ela como um círculo. Ele fala inglês, ela um dialeto Kiowa. Ambos sentem que o mundo está em crise e que a realidade lhes é hostil. Relatos do Mundo é previsível, morno até, mas o que diz, com toda delicadeza, importa muito: conviver na diferença é possível e, mais ainda, pode ser saudável.

Ficha Técnica

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