As bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, provocaram a morte de aproximadamente 140 mil e 74 mil pessoas, respectivamente. O ataque selou o fim da Segunda Guerra, mas não há júbilo na expressão em close de Cillian Murphy na abertura de Oppenheimer. Seu olhar é de desolação. O aguardado filme de Christopher Nolan sobre o “pai da bomba atômica” estreou no mesmo dia de Barbie. Não só não se deixou ofuscar pelo fenômeno pink, como pegou carona na onda da invasão das salas de cinema em um movimento que bombou nas redes sociais e ganhou até nome, Barbenheimer. A bilheteria mundial fou robusta: US$ 950 milhões.
Não é um filme necessariamente agradável e tem algumas “gorduras” nas 3 horas de duração. Mas é envolvente e instigante, uma obra de imprescindível valor histórico que enlaça criador e criatura em uma linha temporal dividida em três tempos. Oppenheimer é complexo no tema, na forma e, como não poderia ser diferente, na engenhosidade com que Nolan entrosa a mente humana e a tecnologia.
Assim tem sido desde Amnésia (2000), numa jornada cinematográfica acompanhada em grande parte por Cillian Murphy. É a sétima colaboração da dupla, que começou com a trilogia Cavaleiro das Trevas de Batman (2005/2008/2012) e rendeu Dunkirk (2017), Transcendence: A Revolução (2014) – este com Nolan como produtor – e A Origem (2010). Só que desta vez Murphy é protagonista. Dificilmente o ator iria tão longe dramaticamente sem a sintonia e confiança que nutriram em quase duas décadas. J. (de Julius) Robert Oppenheimer (1904 - 1967) é um personagem caótico e fascinante.
Nolan assina o roteiro inspirado por Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano, biografia vencedora do Pulitzer escrita por Kai Bird e Martin J. Sherwin. Engendra uma tríade narrativa que ilumina o Oppenheimer homem – judeu, progressista, egocêntrico e mulherengo – e o físico – genial, inovador e obstinado. As linhas temporais cobrem três períodos fundamentais. No retrato da vida acadêmica, o preciosismo tecnológico típico do cineasta gera visões psicodélicas que atormentam a mente do jovem Oppenheimer, incapaz de lidar com a própria genialidade.
A ação maior se concentra na execução do Projeto Manhattan. A aparição de Albert Einstein (Tom Conti) se justifica. O físico alemão teve a imagem duplamente associada à criação da bomba. Primeiro, pelo conceito da massa inercial representada pela fórmula E = mc2, que abriu possibilidades físicas para sua produção. Segundo, pela carta enviada em 1939 ao então presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, em que alertava para a capacidade destrutiva do artefato. O Projeto Manhattan foi a resposta ao desafio de ter a bomba antes de Hitler. Matt Damon entra em cena como um dos militares que supervisionam o trabalho da equipe de físicos, químicos, engenheiros e técnicos liderada por Oppenheimer.
A fase mais instigante psicologicamente é a do pós-guerra, que deve valer indicação ao Oscar a Robert Downey Jr., irretocável na pele de Lewis Strauss, na época presidente da Comissão de Energia Atômica norte-americana. A parceria com Oppenheimer é colocada à prova durante a apelação do físico para retomar sua credencial de segurança e na audiência de Strauss no Senado americano, para ser confirmado em um cargo no governo. Emily Blunt se faz presente como a esposa resiliente de Oppenheimer. É uma atuação consistente, porém contida.
Como se não bastasse a trama intrincada, o diretor usa a paleta de cores para diferenciar perspectivas. O próprio explicou a artimanha em entrevista de divulgação. “A fase em cores é a experiência subjetiva de Oppenheimer. Essa é a maior parte do filme”, afirma. “E temos o preto e branco para a visão mais objetiva da história do protagonista, e do ponto de vista de outro personagem.” A obsessão técnica ainda inclui o comentado rolo original com o filme em 70 mm, exibido em 30 exclusivas salas de IMAX pelo mundo. Oppenheimer é sofisticado, mas a técnica não sobrepuja o fator humano. Daí vem a sua força.
Na mitologia grega, Prometeu foi um titã que roubou o fogo dos deuses e o entregou à humanidade. O ato provocou a ira de Zeus, que se vingou e o puniu com a tortura eterna. O mito tornou-se metáfora do infame legado de Oppenheimer, que nos anos seguintes se posicionou contra o desenvolvimento de armas nucleares. A palavra que fica ao fim é tortura. É o espírito torturado do titã que pôs fim a uma guerra com fogo, para ver surgir a Guerra Fria e a ameaça constante do apocalipse nuclear.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Oppenheimer
Direção: Christopher Nolan
Duração: 179 minutos
PaÃs de Produção/Ano: EUA, Reino Unido, 2023
Elenco: Cillian Murphy, Robert Downey Jr., Emily Blunt, Matt Damon, Florence Pugh, Tom Conti, Kenneth Branagh, Alden Ehrenreich
Distribuição: Universal Pictures