Com US$ 1,4 bilhão na bilheteria mundial, Barbie chega ao streaming como recordista de arrecadação nos cinemas em 2023, até o momento. E já é seu o posto de produção mais rentável da história da Warner Bros., ao deixar para trás o US$ 1,34 bilhão de Harry Potter e as Relíquias da Morte Parte 2 (2011). Cala fundo na alma o discurso feito por Gloria, a secretária da Mattel interpretada por America Ferrera. Basta ser mulher para se identificar no painel que ela traça dos sabores e dissabores de pertencer ao sexo feminino. Não há mimimi. É a realidade nua e crua posta em palavras pungentes. Mas há também rancor, raiva e revolta, que na tela tomam corpo em uma trama revanchista. Isso não faz bem ao filme.
Se Barbie é ótimo, bom ou regular, vai do gosto do freguês e pouco importa, porque nenhuma crítica vai mudar os números, e eles são fenomenais. Fruto de uma agressiva campanha de marketing que tomou vida própria, foi no boca a boca que Barbie tornou o mundo cor-de-rosa. Mais animador que o próprio filme foram as filas que se formaram novamente nos cinemas. As salas têm sofrido com a falta de público no pós-pandemia, além da competição com o streaming. Mas o que se viu foram ingressos esgotados e um frenesi de cinéfilos com roupas e cabelos pink em meio à multidão.
A gigantesca adesão do público representa também uma revolução na carreira da atriz, roteirista e cineasta Greta Gerwig, que se ergueu com louvor no cinema independente. Indicada três vezes ao Oscar – melhor roteiro por Adoráveis Mulheres (2019) e Lady Bird (2017), e melhor direção por este último –, a californiana tem motivos de sobra para festejar. Era enorme a responsabilidade de ter um orçamento de estimados US$ 145 milhões para transformar em live action o universo da boneca criada em 1959 por Ruth Handler, e lançada pela fabricante de brinquedos Mattel, fundada por Ruth e o marido, Elliot Handler.
Greta assina o roteiro em parceria com o marido e cineasta Noah Baumbach, cultuado por filmes como A Lula e a Baleia (2005) e História de Um Casamento (2019), e que a fez brilhar como nunca em Frances Ha (2012). Ter essa montanha de dinheiro à disposição, porém, pode ter deixado a dupla meio deslumbrada e propensa à invencionices desnecessárias. De longe, o melhor de Barbie está na escalação de Margot Robbie no papel da protagonista, a Barbie Estereótipo, base para todas as outras versões. Ryan Gosling está à altura com o abdômen de gominhos do boneco Ken. Tem muita fera no elenco, de Will Ferrell como presidente da Mattel à Barbie assustadora de Kate McKinnon. Até Dua Lipa, que tem canção inédita na trilha sonora, marca presença como Barbie Sereia.
Direção de arte e figurinos são primorosos. A recriação do mundo da Barbie, com casas, carros e todo o tipo de apetrechos faz da Barbielândia um mundo de sonhos. Será mesmo? Nesse universo, as Barbies reinam absolutas, e a palavra absoluta aqui não é aleatória. Elas têm o poder, estão no comando de um governo 100% feminino. Aos bonecos Ken, lindinhos e sem personalidade, cabe a missão de servi-las e entretê-las. Para o Ken de Ryan Gosling, o dia só começa com a chegada da Barbie de Margot. Antes disso, ele fica praticamente estático, como se ela fosse sua ignição. Ken ama Barbie de verdade, mas ela o trata com uma mescla de respeito e desinteresse. Esse é o mundo ideal?
Uma crise existencial leva a boneca ao Mundo Real, e em sua primeira interação com humanos ela sente o machismo na pele. Enquanto isso, seu parceiro de viagem, Ken, descobre o patriarcado – e adora! Greta acerta ao investir na caricatura nesse retrato contrastante entre feminismo e machismo, com excessos em ambos os lados. O humor é ferramenta sempre bem-vinda na abordagem de questões complexas. É pena, porém, que a cineasta perca tempo e foco com firulas linguísticas. Os números musicais são cansativos e não acrescentam nada à uma narrativa que começa na quinta marcha e termina na segunda, e olhe lá.
Não é uma questão de ritmo apenas. Há uma incômoda contradição moral e contextual. Ao confrontar a Barbielândia com o Mundo Real, é claro e válido o discurso da diretora em defesa dos direitos da mulher, de sua emancipação como indivíduo e membro da sociedade. Barbie é um convite divertido à conscientização. Não há, contudo, uma proposta franca de entendimento e comunhão entre os sexos. Não é preciso detalhar o machismo enraizado em homens e mulheres no Mundo Real. Mas o feminismo no mundo da Barbie também é tóxico, e elas estão felizes assim. Os Ken não têm voz na Barbielândia.
Com narração em irônico tom de conto de fadas na voz da Dama Helen Mirren, Barbie carece de espírito conciliador. Há um ensaio nesse sentido ao final, que enaltece a importância do autoconhecimento e do amor próprio como chaves para uma convivência pacífica, civilizada e produtiva entre os sexos. Mas é um desfecho frágil e frio. Barbies e Kens seguem polarizados. Sabe o que falta entre eles? Calor humano, amor.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Barbie
Direção: Greta Gerwig
Duração: 114 minutos
PaÃs de Produção/Ano: EUA, Reino Unido, 2023
Elenco: Margot Robbie, Ryan Gosling, America Ferrera, Will Ferrell, Emma Mackey, Simu Liu, Kate McKinnon
Distribuição: Warner Bros. Pictures
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