O Traidor

O ex-ministro da Justiça Sérgio Moro cansou de citar o juiz italiano Giovanni Falcone como inspiração para aceitar o cargo, no início do governo Bolsonaro. Morto em um brutal atentado em 1992, Falcone foi responsável pela condenação de mais de 300 mafiosos nas décadas de 1980 e 1990. Uma das peças fundamentais da operação foi Tommaso Buscetta, O Traidor do filme de Marco Bellocchio. Membro da Cosa Nostra, ele delatou antigos companheiros e expôs a máquina de corrupção que alcançava o alto escalão político.

A trama abre com Buscetta no início dos anos 1980, pouco antes de se tornar dedo-duro, interpretado pelo robusto Pierfrancesco Favino, ator formidável do imperdível Irmãos à Italiana (disponível em streaming). Maria Fernanda Cândido está no elenco como a socialite brasileira Maria Cristina de Almeida Guimarães, terceira mulher e mãe de dois de seus quatro filhos. O mafioso dizia que os anos foragido no Brasil foram os melhores. Mas foi sob águas nacionais que ele viu a esposa pendurada com o corpo para fora de um helicóptero militar, em uma das sádicas táticas para convencê-lo a colaborar.

A família viveu em uma mansão no Rio de Janeiro por duas temporadas. Em 1972 Buscetta foi preso e deportado para a Itália, mas entrou clandestinamente no País pela segunda vez em 1983, para escapar de uma sanguinária guerra interna que vitimou seus dois filhos mais velhos. Gângster das antigas, ele se incomodava com os códigos da Cosa Nostra nos tempos da heroína, que não poupava mulheres e crianças. Anunciou-se um “arrependido”, rompeu o juramento de fidelidade à máfia siciliana e entrou para o Programa de Proteção à Testemunha.

Apesar das idas e vindas temporais que pincelam fatos marcantes de sua biografia, as duas horas e meia de duração privilegiam o dueto formado com o juiz Falcone. Com os capos literalmente enjaulados, o julgamento foi um circo e rende sequências tragicômicas. É bem verdade, porém, que o diretor humaniza seu protagonista um tantinho além da conta. Apenas um dos assassinatos que cometeu é recriado, e com descabido romantismo. O Traidor pode não ser o ápice da carreira do veterano cineasta que nos brindou com Vincere (2009), sobre Benito Mussolini, mas é uma obra digna, tem Maria Fernanda firme em cena e coprodução da nacional Gullane Entretenimento.

Ficha Técnica

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