Roman Polanski, o homem, é e sempre será uma celebridade controversa, para o mau sentido. A condenação por estupro de uma adolescente nos anos 70 e novas denúncias de assédio mancharam sua biografia. Roman Polanski, o cineasta, é e sempre será um exímio contador de histórias, um artesão de imagens, o criador de clássicos como A Dança dos Vampiros (1967) e O Bebê de Rosemary (1968), e das obras-primas Chinatown (1974) e O Pianista (2002). Não é simples separar o indivíduo do artista, mas também não é possível falar de seu novo filme, O Oficial e o Espião, sem tecer elogios.
Os franceses souberam separar as coisas. Mais de um milhão lotou os cinemas e a produção venceu três César: melhor diretor, roteiro adaptado e figurino. Do Festival de Veneza, Polanski saiu consagrado com o Leão de Prata, pelo Grande Prêmio do Júri. Inspirado no romance de Robert Harris, que coassina o roteiro com o cineasta, O Oficial e o Espião resgata um histórico escândalo conhecido como O Caso Dreyfus. Na magnífica sequência de abertura, o capitão de artilharia Alfred Dreyfus (Louis Garrel, Um Homem Fiel) tem seus galões de oficial arrancados em uma cerimônia humilhante, diante de milhares de membros do exército e da multidão abarrotada nos portões da Academia Militar. “Eu sou inocente”, ele dizia com insistência.
Era 1894 quando o militar judeu, acusado de espionagem, foi condenado à prisão perpétua na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa. Um dos responsáveis pelo caso, o tenente-coronel Georges Picquart (Jean Dujardin, O Retorno do Herói) foi promovido a chefe da Inteligência. São poucas as cenas de Dreyfus isolado na ilha - a mesma de Papillon. O foco recai inteiro sobre Picquart, que tem acesso a documentos que indicam que Dreyfus fora vítima de uma armação ideológica, escancaradamente antissemita. Polanski conduz e narrativa como um thriller investigativo, que ganha gravidade pelo drama moral de Picquart, ele próprio um antissemita, porém guiado por uma profunda retidão de caráter.
São as vozes que se levantam contra a injustiça e a tirania que ecoam no século 21, e tornam O Oficial e o Espião tão incisivo e relevante. Até o fim do processo, em 1906, Picquart sente o peso da opressão, vinda dos franceses xenófobos e da alta patente do exército. Outro que pagou caro por clamar por justiça foi o escritor Émile Zola, autor do famoso artigo “J’accuse” (Eu acuso, título original do filme), publicano no jornal literário L’Aurore em 1898. Na forma de uma carta ao presidente da França, ele dá nomes aos poderosos responsáveis pela fraude que condenou Dreyfus. Roman Polanski, o homem de caráter duvidoso, ousa falar de justiça quando ele mesmo fugiu para não cumprir pena. Mas essa é outra história.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: O Oficial e o Espião/J Accuse
Direção: Roman Polanski
Duração: 132 minutos
PaÃs de Produção/Ano: França/Itália, 2019
Elenco: Jean Dujardin, Louis Garrel, Emmanuelle Seigner, Melvil Poupaud, Vincent Perez, Mathieu Amalric
Distribuição: California Filmes