Firme no Top 1 da Netflix Brasil, O Mundo Depois de Nós tem dividido opiniões e virou assunto obrigatório entre cinéfilos. Compreensível. Primeiro, porque reúne Julia Roberts, Ethan Hawke (Antes do Amanhecer) e Mahershala Ali (vencedor do Oscar por Green Book e Moonlight), além de Kevin Bacon em uma ponta valiosa. Segundo, porque a trama é feita sob medida para fãs de mistério. Terceiro, porque a produção executiva é de ninguém menos que Michelle e Barack Obama, através da Higher Ground Productions, que estreia na ficção após uma série de documentários.
Grife não falta. Diretor e roterista, Sam Esmail fez barulho com a série Mr. Robot (2015-2019), que deu a Rami Malek (Bohemian Rhapsody) o Emmy de melhor ator na pele de um hacker e engenheiro de segurança cibernética envolvido em uma conspiração de domínio global. Inspirado no livro de Rumaan Alam, Esmail volta a explorar a temática em uma história apocalíptica e instigante, mas que parece desenhada para descer a lenha na hipocrisia do “american way of life”. Tudo começa com uma reunião familiar.
Julia e Hawke formam o casal Amanda e Clay Sandford. É ela quem anuncia o aluguel de uma casa de veraneio, para que passem dias tranquilos com os filhos, longe da urbanidade nova-iorquina e das noites agitadas do Brooklyn. Amanda é executiva de marketing, Clay um professor. Archie (o estreante Charlie Evans), o filho, é aficionado em videogame e está com os hormônios nas alturas. A caçula, Rose (Farrah Mackenzie), está obcecada em terminar as dez temporadas de Friends. A casa é puro luxo e modernidade, com um paisagismo clean que se abre para uma área florestal.
Tudo lindo, a não ser por um detalhe: algum bug técnico – ou seria um apagão geral – deixa-os desconectados. Nos raros momentos de sinal de TV, aparecem avisos de emergência. O mistério se instala de vez quando batem à porta Ruth (Myha’la) e G.H. Scott (Ali), pai e filha, que se apresentam como proprietários da mansão e pedem abrigo com uma justificativa suspeita. Scott sabe de alguma coisa, mas nada diz. A filha, universitária, é um entojinho. Esse esdrúxulo e conflituoso microcosmo seria um prato cheio se o diretor fosse além dos diálogos didáticos em que os protagonistas lançam farpas sobre a sociedade que ajudaram a erguer.
Se a dinâmica entre os personagens é inverossímil, O Mundo Depois de Nós é exemplo de como criar e manter o suspense. Em nova parceria com o cineasta depois de Mr. Robot, o diretor de fotografia Tod Campbell atravessa paredes e pisos com sua câmera para trabalhar os sinuosos estratos das relações, enquanto o compositor Mac Quayle e seus acordes cortantes sinalizam que algo tremelica e range nos alicerces da casa (ou da nação). A ambientação externa também lança o alerta, com fauna e flora em desequilíbrio radical e repentino.
Situações chocantes e enervantes aos poucos dão dimensão do horror. E servem também para desconstruir perfis de certos personagens, em viradas dramáticas que fazem bem à narrativa. Muita gente reclamou de um final meio aberto. Que nada. Às tantas, o enigmático Scott dá uma explicação detalhada, passo a passo, da cartilha apocalíptica que vivenciaram até ali. O poder da inteligência artificial e da cibernética é incerto, e provoca tanto fascínio quanto temor. Entre excessos e simplismos, o que impressiona no implausível desfecho é o olhar do americano para seu próprio país. Vai além da crítica. Beira a chacota.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: O Mundo Depois de Nós / Leave the World Behind
Direção: Sam Esmail
Duração: 138 minutos
PaÃs de Produção/Ano: EUA, 2023
Elenco: Julia Roberts, Mahershala Ali, Ethan Hawke, Myha’la, Kevin Bacon
Distribuição: Netflix