O Duque

Roger Michell entrou para os anais do cinema como o diretor que em 1999 reuniu Julia Roberts e Hugh Grant na adorada comédia romântica Um Lugar Chamado Notting Hill. E já fica aqui a dica de seu recente documentário Chá Com as Damas, um hilariante encontro entre as consagradas estrelas britânicas Maggie Smith, Eileen Atkins, Judi Dench e Joan Plowright. Disponível em plataformas como Claro TV+, YouTube e Google Play, sua nova empreitada, O Duque, resgata uma história digna de cinema nem tanto por ser verídica, mas por seu sui generis protagonista, Kempton Bunton.

Na Londres dos anos 1960, o senhor sessentão foi julgado por roubar da National Gallery o quadro do Duque de Wellington, herói de Batalha de Waterloo contra Napoleão, pintado pelo mestre espanhol Francisco de Goya. Pouco antes do furto, o governo britânico havia pago 140 mil libras para evitar que a arte fosse expatriada por um colecionador norte-americano. A graça de O Duque está na revelação do motivo de Bunton para o crime. Interpretado por Jim Broadbent (Rei dos Ladrões) com uma ternura contagiante, o gatuno era um ferrenho defensor dos direitos do cidadão.

Aspirante a dramaturgo, Bunton vira e mexe se envolvia em encrencas que lhe custaram empregos e dias no xilindró. Ele não se conformava, por exemplo, em ter de pagar uma licença para acessar a rede BBC, e fazia piquetes em defesa da “TV gratuita” para veteranos de guerra e pensionistas. Quem segurava as pontas da família era a esposa, Dorothy, vivida por Helen Mirren (Anne Frank – Vidas Paralelas), que trabalhava como doméstica. Ainda na seara caseira, o enredo ganha estofo dramático com o luto do casal pela perda de uma filha.

Roger Michell tem pena leve e verve otimista, e aqui ainda conta com o espirituoso biografado. No tribunal, o testemunho de Bunton tornou-se histórico e lhe concedeu fama temporária. Mas nada de spoilers, porque é a melhor sequência do filme e reproduz fielmente algumas citações do acusado. O propósito moral com que justifica o roubo é de uma humanidade exemplar, de arrancar lágrimas. O Duque reserva uma reviravolta ao final, com desdobramentos que vieram à tona somente em 2012, quando caiu o sigilo sobre as investigações.

Na época do lançamento da produção na Inglaterra, em fevereiro deste ano, quem ganhou destaque na mídia foi Christopher Bunton, neto de Kempton. “O filme é um drama familiar sobre a luta da classe trabalhadora e os fatores que influenciaram a tomada de decisão da minha família”, disse à rede BBC, a mesma que cobrava a licença de uso contra a qual seu avô protestou tantas vezes, e que só foi extinta para maiores de 75 anos no ano 2000.

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