Mostra SP 2021: Dose dupla de Hong Sang-soo

O sul-coreano Hong Sang-soo é figurinha carimbada dos grandes festivais, em especial Berlim e Cannes. Filma com tamanha simplicidade e assiduidade que não causa estranhamento que tivesse obras prontas para competir em plena pandemia de Covid-19. E entra para ganhar. De Berlim, saiu com o Urso de Prata de Melhor Direção para A Mulher que Fugiu em 2020, e o de Melhor Roteiro para Encontros em 2021. Os dois títulos estão na seleção da Mostra SP 2021, que segue firme até 3 de novembro, ambos com sessões presenciais. A Mulher que Fugiu tem exibições dias 30 de outubro e 3 de novembro. Encontros passa dias 29, 30 e 31 de outubro. Confira horários e compre ingressos no botão de atalho desta matéria ou no site 45.mostra.org.

Sang-soo pode ser prolífico na produção, mas é um contador de histórias conciso, com filmes tão enxutos que não raro a sinopse é mais reveladora do que o enredo em si. Quem acompanha sua cinematografia, e aqui vale citar o recente O Hotel às Margens do Rio, sabe que o diretor não enrola e muito menos entrega um prato pronto para o espectador – A Mulher que Fugiu tem 77 minutos, e Encontros tem 66. Também autor dos roteiros, ele fornece os ingredientes, mas o preparo e o sabor vai da criatividade e sensibilidade de cada um.

Kim Min-hee, sua musa dentro e fora da tela, é a protagonista de A Mulher que Fugiu, Gam-hee. Ela aproveita que o marido está em viagem de negócios para visitar três amigas que vivem fora de Seul. É a primeira vez que fica sozinha em cinco anos de união. “Nem por um único dia”, conta. “É o que ele quer, ele diz que as pessoas apaixonadas devem ficar sempre juntas.” Como as amigas e o público recebem essa informação é pessoal, daí o fascínio do cinema de Sang-soo. Por aqui, é sensação é de opressão. A narrativa se divide em três capítulos, um para cada amiga. A primeira, Young-soon (Seo Young-hwa), é divorciada, a segunda, Sou-young (Song Seon-mi), tem casos corriqueiros e o atual é um homem casado, e a terceira, Woo-jin (Kim Sae-Byuk), vive há anos com um antigo amor de Gam-hee.

Os diálogos são sutis. Elas falam sobre relações amorosas e de assuntos corriqueiros, como o gosto de Gam-hee por carne. Os mais atentos, porém, pegam no ar revelações que ajudam a traçar não só o perfil da protagonista, como sua mudança de postura no decorrer da trama. O universo é feminino e o diretor insere personagens masculinos como intrusos ou incapazes de acrescentar algo positivo na dinâmica entre as amigas. A conversa de Gam-hee com o ex-namorado (participação especial de Kwon Hae-hyo, colaborador frequente do cineasta) fecha com maestria o arco dramático. Mas o melhor e mais inusitado confronto entre os sexos ocorre na parte 1, quando o novo vizinho de Young-soon pede para que pare de alimentar gatos de rua que entram no condomínio. Ele alega que a esposa não gosta do animal. A maneira como o pedido é negado é de uma calma sensacional. Só vendo.

Esse personagem é interpretado por Shin Seok-ho, o astro de Encontros. A trama também se divide em três atos, mas o foco agora é o universo masculino. Kim Min-hee faz uma pequena participação, enquanto o jovem ator assume o protagonista, Youngho. No primeiro segmento, ele vai ao consultório do pai, um médico acupunturista, mas o encontra ocupado com pacientes, entre eles um famoso ator. No bloco seguinte, Youngho aparece em Berlim para surpreender a namorada, que está na capital alemã estudando moda. Na etapa final, um amigo o acompanha a um almoço com a mãe, que por sua vez está acompanhada pelo ator que estava na clínica do pai.

Há um avanço temporal em cada situação, mas todas são centradas nesse protagonista sem rumo. Youngho quer ser ator, porém às tantas diz que perdeu um trabalho por se recusar a beijar em cena, por ter namorada. A reação do ator famoso diante da falta de profissionalismo do rapaz é irada. Nesse último ato, regado a muita bebida, o cineasta cutuca a juventude atual ao travar um choque entre gerações, mas os diálogos parecem improvisados demais. Estranho ter levado justamente o prêmio de roteiro. Um deslize de Hong Sang-soo? Sim. Mas que venha o próximo, que já está filmado.

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