Meu Vizinho Adolf

O que você procura quando pensa em curtir um filme? Se a intenção é encontrar uma história original nesse mar poluído de adaptações repetitivas, ou produções panfletárias e lacradoras, Meu Vizinho Adolf! é sua escolha entre as novidades no cinema. O protagonista é Marek Polsky (David Hayman, O Menino do Pijama Listrado), sobrevivente do Holocausto. Na América do Sul dos anos 1960, o idoso ranzinza vive isolado, tem problemas de saúde, e é avesso a qualquer tipo de relacionamento.

Exímio jogador de xadrez, sua estratégia tem sido manter a casa ao lado vazia e as rosas negras vivas e lindas, como gostava a falecida esposa. Quis o destino que um novo morador, o misterioso Herzog (Udo Kier, Bacurau), chegasse ao endereço para acabar com a paz e, ainda por cima, obrigá-lo a devolver parte do terreno irregularmente ocupado. Para piorar, Polsky acredita que ele é ninguém menos do que Adolf Hitler. Após uma denúncia ao serviço de inteligência israelense, devidamente ignorada, ele mergulha numa tensa investigação particular que mudará o seu jeito de olhar o mundo e, principalmente, as pessoas.

Dos produtores do premiado A Sombra de Stalin (2019), esse é o segundo longa do russo Leon Prudovsky, premiado em Veneza pelo curta Dark Night (2005). Modesta, mas bem resolvida coprodução Israel, Polônia e Colômbia, My Neighbor Adolf (título original) envolve pela leveza com que aborda temas como a maldade e o drama dos sobreviventes do nazismo, assim como a velhice, o amor e a compaixão. Há momentos pitorescos, de um emblemático pedido de “Sorria!” para a pintura de um retrato até as inusitadas descobertas sobre o antagonista. De autoria do próprio cineasta, o roteiro diverte com os encontros regados a vodka, que confirmam que “o banheiro é a igreja de todos os bêbados”, como disse Cazuza. E emociona com a destruição de intransponíveis barreiras para a construção de uma improvável amizade.

Meu Vizinho Adolf! faz referência ao clássico Janela Indiscreta (1954), de Alfred Hitchcock. Já a cena que ilustra o cartaz, com a cerca divisória das propriedades e seus significados nesta obra (e na vida), remete à famosa tela dividida tão usada por Brian De Palma, outro mestre do suspense. Coincidência? Pode ser. O fato é que em outra sequência, essa até ultrajante e já perto do fim, impressiona ver como violência, desespero e ternura podem estar juntos e tão bem retratados. Como no tabuleiro do xadrez, jogo adorado pela vítima e o suposto algoz, as peças da trama são movimentadas com inteligência e risco. Xeque-mate cinematográfico.

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