Hamilton

O AFI (Instituto de Cinema Americano) concede em fevereiro um raro prêmio especial para a versão filmada de Hamilton, atração do Disney+. O musical estreou em 2015 no circuito off-Broadway, venceu 11 Prêmios Tony, o Grammy e o Pulitzer, dentre tantos outros. No Globo de Ouro 2021, disputa na categoria melhor musical, e seu criador, Lin-Manuel Miranda (O Retorno de Mary Poppins), de melhor ator. No SAG, Daveed Digs concorre a melhor ator de filme para televisão ou minissérie. A produção, no entanto, não estará no Oscar, por não cumprir com todos os requisitos (burocráticos) exigidos para a indicação.

Seria mais um reconhecimento à obra deslumbrante e desconcertante de Lin-Manuel Miranda, mas que não fará falta afinal. Hamilton ainda estava em cartaz com lotações esgotadas, agora na Broadway, quando a pandemia fechou os teatros de todo o mundo. A versão cinematográfica faz jus ao espetáculo teatral. Embora conte uma história americana por excelência, Miranda o faz com a genialidade, a sensibilidade e o talento dos grandes artistas capazes de criar obras atemporais de apelo universal. Hamilton, como disse seu criador, é “uma história da América de então contada pela América atual”.

A peça é inspirada no livro Alexander Hamilton, de Ron Chernow, sobre o miserável imigrante caribenho órfão que se tornou peça-chave no movimento para a independência norte-americana. Foi braço direito do presidente George Washington (Chris Jackson), primeiro secretário do Tesouro da nação, e o principal responsável pela eleição de Thomas Jefferson (Daveed Diggs, Extraordinário), o terceiro presidente. Morreu antes dos 50 anos num duelo com seu opositor de longa data, Aaron Burr (Leslie Odom Jr., Uma Noite em Miami), vice-presidente de Jefferson.

Essa é a história de então, que Lin-Manuel Miranda encenou com versos de um lirismo arrebatador em ritmo de hip-hop, rap, R&B, jazz e blues, e um elenco excepcional composto majoritariamente de negros e hispânicos. É a América atual, pelo menos no ideal de Miranda. E não apenas dele, dado o sucesso estrondoso de público e crítica que originou uma verdadeira Hamilton-mania. A versão em álbum do musical conquistou seis discos de platina, recorde histórico em tempos de Internet.  

Não se trata apenas de política. Miranda subverte o drama histórico biográfico sem abdicar da trama de folhetim. Hamilton se casa com Eliza Schuyler (Phillipa Soo), apesar da paixão intelectual pela irmã mais velha dela, Angelica Schuyler (Renée Elise Goldsberry). É vítima de chantagem do marido de sua amante Maria (Jasmine Cephas Jones, Legado Explosivo). Perde o único filho ainda jovem (Anthony Ramos, Nasce uma Estrela) quando ele é desafiado a um duelo para defender o pai.

Entre a fidelidade histórica e a liberdade poética, entram em cena também as temáticas do empoderamento feminino e do vigor transformador da juventude. Mas foi sobretudo o papel dos imigrantes na América que Miranda, primeira geração de porto-riquenhos no país, quis destacar, com direito a um verso irônico que se tornou um dos muitos bordões do musical, escritos inclusive em cartazes nas passeatas do movimento #BlackLivesMatter.

A versão do Disney+ tem direção do mesmo condutor do musical, Thomas Kail (série Fosse/Verdon). As filmagens foram em 2016, no Teatro Richard Rogers, com o elenco original e antes da estreia vitoriosa na Broadway. O veterano diretor de fotografia Declan Quinn (A Cabana) usou nove câmeras para registrar três apresentações ao vivo, além de algumas sequências sem público. A estratégia, somada à beleza da encenação, dos figurinos e da iluminação, reproduziu não apenas o esplendor e o vigor da produção teatral, como a emoção que transborda a cada canção, a cada ato. Não é como se estivéssemos apenas na plateia, mas na primeira fila do teatro.

Fica a dica: estão disponíveis em streaming dois especiais sobre o musical, Hamilton: History Has It’s Eyes on You e The Undefeated Presents Hamilton In-Depth. O primeiro é obrigatório.

Ficha Técnica

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