Fleabag significa uma pessoa desagradável, vil, sórdida, obscena. No início da primeira temporada, a protagonista sem nome próprio, a Fleabag (a criadora, roteirista e atriz Phoebe Waller-Bridge), faz jus aos adjetivos acima. Mas essa é apenas uma das muitas e brilhantes estratégias narrativas da série britânica, campeã imbatível nas premiações 2019 e 2020 com a segunda – e última, sem choro nem vela – temporada. Realizada em parceria entre a BBC e a Amazon, Fleabag soma 41 prêmios, com Globo de Ouro, Bafta e Emmy no pacote. A produção realmente desafia qualquer padrão de excelência.
São apenas duas temporadas, separadas por três anos uma da outra, de seis episódios de 27 minutos. Começa com a falida e solitária Fleabag vagando por Londres entre os sucessivos términos e voltas com o namorado Harry (Hugh Skinner), além de muito sexo casual e o luto pela morte da melhor amiga Boo (Jenny Rainsford), sua sócia na cafeteria. Eis sua família, que não lhe dá a mínima: a insegura irmã Claire (Sian Clifford) e seu marido abjeto Martin (Brett Gelman), o pai monossilábico (o ótimo Bill Paterson, O Homem que Inventou o Natal) e sua companheira (Olivia Colman, A Favorita, num papel escrito especialmente para ela), madrinha de Fleabag e melhor amiga de sua mãe, falecida há cinco anos.
A segunda temporada avança um ano e abre no desconfortável jantar com toda a família, em que o pai anuncia que vai se casar com a madrasta, e apresenta o charmoso e descolado padre (Andrew Scott, Sherlock) que vai realizar a cerimônia. A faísca proibida entre a protagonista e o religioso pode dar em fogo e amor (e como). Enquanto as irmãs se reconciliam, os preparativos para o casamento estão à toda, e Fleabag parece ver uma luz no fim do túnel. As atrizes Kristin Scott Thomas (O Destino de uma Nação) e Fiona Shaw (Colette) têm curtas e memoráveis participações especiais.
Dito assim, parece muito barulho por nada os 2,5 milhões de espectadores ingleses que assistiram o último episódio da série, o frisson de tantos prêmios, a correria louca para comprar alguns itens do figurino de Fleabag. Mas tudo isso se deve ao talento extraordinário de Phoebe Waller-Bridge como roteirista e atriz, que adaptou seu monólogo de estrondoso sucesso nos teatros londrinos, em 2013, para o formato de série, a convite da BBC. Toda poderosa, no tempo livre a multitalentos foi a droide feminista L3-37, de Han Solo: Uma História Star Wars, escreveu o roteiro do novo 007, Sem Tempo para Morrer, e criou a premiada série Killing Eve, primeira produção da BBC na América.
Em Fleabag, além do vigor tragicômico e das infinitas nuances de emoções, Phoebe constrói cada cena com primor de detalhes, cria situações as mais inusitadas, e surpreende com um lirismo quase comovente, como toda série britânica que se preze. Tudo isso, em meio aos comentários hilários, afiados, angustiados de Fleabag diretamente para a câmera, numa conversa íntima e inesperada com o espectador, sem nunca perder o ritmo, a ironia, a verdade dos diálogos. Até a trilha sonora é notável, com seus acordes dissonantes e provocadores em sintonia com a aventura de Fleabag, essa figura de mulher determinada a fazer as pazes consigo mesma e reencontrar seu lugar nas belas ruas de Londres.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Fleabag
Direção: Harry Bradbeer, Tim Kirkby
Duração: 27 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Reino Unido, 2016
Elenco: Phoebe Waller-Bridge, Sian Clifford, Olivia Colman, Andrew Scott, Bill Paterson, Brett Gelman, Jenny Rainsford, Hugh Skinner, Ben Aldridge
Distribuição: Amazon Prime