A mais recente série brasileira da Netflix fez história em seu lançamento mundial. Não só continua no Top 10 do Brasil, como chegou ao Top 10 de 40 países, inclusive ao primeiro lugar do norte-americano. Com sete episódios de cerca de 40 minutos, Cidade Invisível, é inegável, tem estilo. Idealizada pelo brasileiro Carlos Saldanha, diretor das franquias de animação Rio e A Era do Gelo, além do indicado ao Oscar, O Touro Ferdinando, a série articula os gêneros policial, suspense sobrenatural e drama numa extraordinária trama de crime e mistério ambientada no Rio de Janeiro e no universo do folclore brasileiro.
A combinação é inusitada e genial. Os personagens das histórias infantis de Monteiro Lobato, adaptadas para as várias versões da série televisiva Sítio do Picapau Amarelo, e ainda outros do folclore nacional, vivem disfarçados na periferia de uma Cidade Maravilhosa colorida e peculiar. Aparentemente alheia a essa realidade paralela, a antropóloga Gabriela (Julia Konrad, Kardec) dedica-se à preservação da floresta e da comunidade de pescadores da Vila Taré. Foi lá que, décadas atrás, um atirador sanguinário usou todas as balas da sua espingarda. Acabou morto pelo Sucupira. O corpo, cravado de maldade, tanto que nem o inferno o quis, foi enterrado por um dos moradores, Ciço (José Dumont, Curral), com a ajuda da Cuca.
Ainda no primeiro episódio, no presente, durante uma festa na Vila, depois de ouvir histórias do folclore de Ciço, a filha de Gabriela, Luna (Manuela Dieguez), entra na floresta pouco antes de um incêndio devastador. Ao tentar salvá-la, Gabriela morre. Quem fica devastado é o marido dela, Eric (Marco Pigossi, série Onde Nascem os Fortes), policial ambiental que decide investigar as causas do incêndio, com ou sem a aprovação do chefe da delegacia, mas com a ajuda de sua parceira, Márcia (Áurea Maranhão).
Depois de atender uma chamada sobre um boto cor-de-rosa que apareceu morto numa praia da cidade, Eric começa a se deparar com fenômenos surpreendentes e criaturas míticas. O boto, na carroceria da caminhonete do policial, transforma-se no cadáver de Manaus (Victor Sparapane), morador da Vila Taré que se opunha à venda das terras dos pescadores para um empreendimento imobiliário, defendida por João (Samuel de Assis, O Doutrinador), filho de Ciço.
O corpo de Manaus, à espera da autópsia, desaparece, levado nas asas das borboletas invocadas por Inês, a Cuca (Alessandra Negrini, Acqua Movie), dona de um bar na cidade. Daí em diante, Inês/Cuca, Camila/Iara (Jéssica Córes, série Brasil Imperial), Tutu/Tutu Marambá (Jimmy London), Isac/Saci Pererê (Wesley Guimarães, série Irmandade) e Iberê/Curupira (Fábio Lago, Vai Que Cola 2) vão orbitar na investigação, levando Eric a enfrentar seus próprios traumas e fantasmas. Principalmente quando a vida de Luna corre sérios riscos.
Se a equipe de roteiristas, chefiada por Mirna Nogueira (Detetives do Prédio Azul: O Filme), fez um ótimo trabalho e o elenco brilha, com poucas exceções, a direção e a equipe de produção da Prodigo Films se encarregaram de realizar um eficiente e elegante exercício estilístico com os elementos clássicos dos gêneros no formato de série. Usaram os efeitos especiais na medida exata e imprimiram um ritmo vertiginoso, de tensão crescente a cada episódio, de clímax em clímax até o excruciante desfecho, que apesar de satisfatório, deixa várias pontas soltas para a já anunciada segunda temporada.
Cidade Invisível resgata, valoriza e revitaliza lendas míticas da cultura nacional, adormecidas no maltratado inconsciente coletivo brasileiro. Propõe a saudável reflexão sobre a memória, a tradição e as raízes do nosso País – a jornada de (auto) descobertas de Eric espelha, de certa forma, a de cada cidadão brasileiro. Nas ocupações e vilas da metrópole carioca e arredores que encena, a série anuncia e denuncia que os principais guardiões da memória nacional e da nossa natureza são aqueles que, como elas próprias, estão marginalizados, relegados a uma invisibilidade social dolorida, injusta, predatória, desumana.
Se na primeira temporada Saldanha criou uma porta de entrada para um mundo invisível em pleno Rio de Janeiro, cidade natal que ele costuma homenagear em suas produções, na próxima seu desejo é explorar outra região do País. Os novos personagens que irão habitá-la, no entanto, são segredo. O elenco ainda não está confirmado, mas trará novidades.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Cidade InvisÃvel
Direção: Luis Carone, Júlia Pacheco Jordão
Duração: 40 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Brasil, 2021
Elenco: Marco Pigossi, Alessandra Negrini, Manuela Dieguez, Samuel de Assis, José Dumont, Wesley Guimarães, Jéssica Córes, Julia Konrad, Fábio Lago, Jimmy London, Aurea Maranhão, Tainá Medina, Thaia Perez, Rafael Sieg, Victor Sparapane
Distribuição: Netflix