Mais de 5 milhões de pessoas assistiram a Ainda Temos o Amanhã nos cinemas italianos em 2023. Segundo a distribuidora Pandora, o número é fenomenal, principalmente porque superou o blockbuster Barbie naquele país. O feito é da atriz e roteirista Paola Cortellesi, que estreia na direção com uma comédia dramática que honra e subverte o neorrealismo em uma ode às mulheres. A cineasta assume também a protagonista, Delia, mulher batalhadora, mãe de três filhos na Roma de 1946, em pleno rescaldo da derrota na Segunda Guerra.
A harmonia no lar inexiste por conta de Ivano (Valerio Mastandrea), o marido machista e violento endossado pelo pai, Ottorino (Giorgio Colangeli), que trata Delia como subalterna. Ela tem esperança de uma vida diferente para a filha, Marcella (Romana Maggiora Vergano), prestes a ficar noiva de um rapaz cuja família lucrou com o regime fascista de Benito Mussolini. Os puristas podem estranhar a ousadia da diretora, que desenha a obra como uma peça neorrealista, um gênero carregado de tragicidade, para então burlar seus códigos com inusitado humor burlesco. As surras que Delia leva de Ivano se descolam da realidade pela música e pela dança. A opressão torna-se palatável aos olhos da plateia, sem que o horror se perca.
Há três respiros na árdua rotina da personagem. No caminho para o trabalho, ela cruza com um batalhão do exército norte-americano e através de uma fotografia nasce uma inesperada amizade com um dos soldados. Nas paradas pela feira, confabula com a amiga dona da banca de legumes, uma mulher divertida e bem resolvida. E no retorno para casa, vira e mexe passa na oficina mecânica de um amor de juventude que ainda faz seu coração bater. Esses pormenores do roteiro valorizam uma narrativa simples só na aparência.
Delia guarda em um cofrinho secreto parte de seus ganhos, um detalhe que convida o espectador a criar as próprias teorias sobre seus planos para o amanhã. Outra reviravolta que se anuncia é a chegada de uma carta, entregue por uma vizinha invocada que acha que a remessa deveria passar antes pelo marido. Atenção também para o olhar ressabiado da protagonista quando nota que o noivo da filha a reprime por usar maquiagem. A resiliência de Delia não é passiva.
Como uma Itália que precisa se reerguer dos escombros, ela se adapta à realidade, mas sem perder a esperança de mudanças. Com direito a plot twist, o roteiro forja um desfecho para depois entregar outro, ainda mas emocionante, inspirado em um momento duplamente histórico ocorrido no 2 de junho de 1946 – sem spoilers. Ainda Temos o Amanhã é muito mais engajado e político do que parece.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Ainda Temos o Amanhã / C è ancora domani
Direção: Paola Cortellesi
Duração: 118 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Itália, 2023
Elenco: Paola Cortellesi, Valerio Mastandrea, Romana Maggiora Vergano, Emanuela Fanelli
Distribuição: Pandora Filmes
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