Mais de 2,5 milhões já assistiram a Ainda Estou Aqui nos cinemas brasileiros. Há muito a comemorar. Com roteiro premiado no Festival de Veneza, o representante do Brasil no Oscar está na shortlist dos 15 semifinalistas, divulgados nesta terça. Também disputa duas categorias do Globo de Ouro - Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz para Fernanda Torres. É a segunda vez que uma brasileira concorre ao prêmio, considerado um termômetro do Oscar. A primeira foi há 25 anos, quando Fernanda Montenegro, mãe de Fernanda, estava no páreo por Central do Brasil (1998), também dirigido por Walter Salles. Um feito independente do resultado, que será revelado na cerimônia transmitida pela TNT no dia 5 de janeiro. As indicações ao Oscar saem em 15 de janeiro.
Fernanda renova a parceria com Salles três décadas após Terra Estrangeira (1995). Adaptação do romance de Marcelo Rubens Paiva, Ainda Estou Aqui rompe a barreira da polarização política com uma trama de resistência no período da ditadura militar. Em 1971, o pai do escritor, o engenheiro civil e ex-deputado Rubens Paiva, desapareceu após ser levado para prestar depoimento no DOI-CODI, no Rio de Janeiro. Sua prisão ocorreu após a interceptação de cartas de exilados políticos. A esposa, Eunice, e a filha adolescente, Eliana, também foram presas. A jovem deixou a prisão no dia seguinte e Eunice foi solta depois de doze dias. Segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade, Paiva foi torturado e morreu um dia depois da chegada ao DOI. Isso é fato histórico, mas não é o centro da narrativa.
Salles se debruça sobre diferentes dimensões da memória: aquela que se solidifica pelo afeto, a que se fixa no trauma e a que se dilui com o tempo – ou com o Alzheimer. Escrito por Murilo Hauser (A Vida Invisível) e Heitor Lorega (Marinheiro das Montanhas), o roteiro oscila ao equilibrar essas camadas. Fernanda e Selton Mello entregam performances afinadas como Eunice e Rubens, mas o filme se alonga na retratação idílica da rotina familiar na espaçosa casa no Leblon. A atmosfera é quase publicitária, de "família margarina". A calmaria, no entanto, serve como prelúdio para a devastação que se segue.
A trama ganha força quando o foco recai sobre Eunice. A dor contida de Fernanda Torres é um espetáculo de minimalismo e precisão. Expressa o sofrimento de uma mulher que, apesar da incerteza e do luto iminente, não pode se permitir parar. A narrativa se concentra em seus atos de resistência: a reorganização da vida familiar, a transição de dona de casa para provedora e a mudança para São Paulo. Na segunda parte, os filhos ganham maior relevância, no duro processo da aceitação da ausência definitiva do pai e do fim de uma vida idealizada. Salles filma o choque de realidade com elegância e sensibilidade.
O ritmo se acelera na terceira parte, que salta no tempo para mostrar momentos-chave na vida de Eunice. Embora sua trajetória como ativista receba tratamento superficial, o filme recria com fidelidade o episódio em que recebe o atestado de óbito do marido desaparecido, após 25 anos de luta judicial. Fernanda Montenegro faz uma tocante participação como a Eunice idosa, acometida pelo Alzheimer, mas cercada pelo amor e cuidado dos cinco filhos. Ainda Estou Aqui é uma obra notável. Salles evita o explícito ao abordar os horrores da ditadura. Prefere explorar a tensão e os silêncios. Resgata um passado sombrio sem mensagens panfletárias. Convida o espectador a acionar a própria memória, afetiva e histórica, e dela vem esse transbordamento de sentimentos que tem comovido mundo afora.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Ainda Estou Aqui
Direção: Walter Salles
Duração: 134 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Brasil, França, 2024
Elenco: Fernanda Torres, Selton Mello, Fernanda Montenegro, Valentina Herszage, Marjorie Estiano
Distribuição: Sony Pictures
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