A Escavação

Não haveria um momento mais precioso para esta esplendorosa produção ganhar as telas internacionais do streaming. Como disse o jovem diretor Simon Stone (A Filha), a circunstância de o filme se passar semanas antes do início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, quando parecia “que a civilização estava ameaçada ao ponto de ninguém saber o que os próximos cinco ou dez anos poderiam trazer, tínhamos ainda mais razão em buscar, desenterrar e cultivar a civilização que existiu antes de nós”.

Imbuído deste espírito, Simon Stone, em ótima companhia, joga com o tempo para descobrir no presente revelações sobre o passado capazes de iluminar o futuro. Assim como os protagonistas escavam a terra e escancara a história, o diretor explora com primor a linguagem do cinema. Filma A Escavação com grandes panorâmicas da paisagem rural de Suffolk, sul da Inglaterra, em registro naturalista. Com a tradicional reconstituição de época impecável do cinema britânico e o brilho máximo de seu elenco de estrelas, imprime nos personagens, nos diálogos e na sua direção a contemplação, o respeito e a celebração íntima de quem reconhece o poder maior das leis da natureza sobre o homem.

A própria origem do roteiro já anuncia o quilate da história, adaptação do livro de John Preston (roteirista da premiada série A Very English Scandal), que devolve ao arqueólogo-escavador autodidata Basil Brown a autoria da descoberta do histórico tesouro de Sutton Hoo, convenientemente omitida pelos gestores do passado do Museu Britânico (British Museum), onde está exposto com honrarias.

Basil Brown (Ralph Fiennes, O Corvo Branco) é contratado por Edith Pretty (Carey Mulligan, Vida Selvagem), à revelia do museu local, para escavar os montes da propriedade da viúva, sabidamente um parque arqueológico ainda não explorado. Os dois descobrem à primeira vista o amor pelo passado que os une, e vão se apoiar até o limite contra as intromissões das autoridades na extraordinária descoberta: um navio fúnebre datado do século 6, que transformou o que então se sabia da história da Inglaterra do período.

Em meio às escavações, Basil torna-se o amigo genial do filho pequeno de Edith, enquanto a frágil saúde dela se deteriora. Os três precisam engolir a equipe oficial enviada para trabalhar na descoberta, liderada pelo arrogante diretor do museu Ipswick, Charles Philips (Ken Stott, a trilogia O Hobbit), da qual fazem parte o casal de arqueólogos Peggy (Lily James, Yesterday) e Stuart Piggott (Ben Chaplin, Um Ato de Esperança).

Nessa trama paralela, Peggy desconfia da proximidade do marido com outro pesquisador do grupo, e se encanta pelo primo de Edith, Rory (Johnny Flynn, Emma), que veio ajudar no trabalho. Rory assume também a missão de fotografar a descoberta, e se prepara para entrar na guerra, já então declarada, como piloto da Força Aérea Britânica. É esse triângulo amoroso um tanto artificial, o único deslize narrativo de A Escavação. Mas que não compromete a encenação deslumbrante e o seu sentido metafórico maior, espelho do mundo e de seu momento atual, cujo reflexo nos convida a indagar sobre o nosso próprio jogo com o tempo, sempre inevitável.   

Ficha Técnica

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