A manchete de um jornal carioca em agosto de 2021 referia-se a “escravos contemporâneos” no Brasil. O número de 772 trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão abrangia o período de janeiro a junho deste ano. Segundo o Ministério Público do Trabalho, o registro do primeiro semestre equivale a 80% dos casos do ano inteiro de 2020. Passados 133 anos da abolição da escravatura no Brasil, o thriller nacional 7 Prisioneiros ilumina uma realidade urgente e cruel. A recepção de público e crítica tem sido calorosa e os 97% de aprovação no Tomatometer do site Rotten Tomatoes já lança rumores até de indicações ao Oscar. Ter o bom-moço Rodrigo Santoro (O Tradutor) na pele do vilão é escolha ousada do diretor Alexandre Moratto, que em seu segundo longa repete a parceria com Christian Malheiros (série Sintonia), revelação do premiado Sócrates.
Seu personagem, Mateus, sai de uma região rural no interior paulista junto com mais três jovens rumo a São Paulo, com a promessa de contrato de trabalho e a esperança de proporcionar uma vida melhor para a família. É com esse espírito que chegam ao centro da cidade, onde fica o ferro velho comandado por Lucas (Santoro), um sujeito amigável que recolhe o RG dos recém-chegados. Passada uma semana de muito trabalho e nada de pagamento, Mateus reclama e as máscaras caem. Primeiro na pancada no estômago que toma do capataz de Lucas e da grade que passa a mantê-los presos no dormitório à noite. Depois vem o papo-furado de que, antes de receber, precisam pagar o investimento inicial que os levou até ali. Já vimos essa história em muito filme de ação hollywoodiano, mas o diretor e corroteirista foge da mesmice ao enveredar pelo thriller psicológico.
Por trás de Alexandre Moratto há Fernando Meirelles (Dois Papas) e Ramin Bahrani (O Tigre Branco) como produtores, também em nova colaboração depois de Sócrates. É uma trinca experiente no cinema social, que aqui se debruça sobre o conflito moral de Mateus. Aos poucos, o jovem conquista a confiança de Lucas e passa a gozar de privilégios que o distanciam dos companheiros. Mais do que isso, volta a ter certa liberdade e vislumbra um futuro melhor. Observe, contudo, que a aproximação do patrão era parte de um plano de fuga e vingança do grupo. 7 Prisioneiros ganha amplitude quando Mateus entra em contato com a intrincada rede de tráfico humano, nacional e internacional, perpetrada por criminosos de alta estirpe dos quais Lucas é subalterno.
É um nefasto jogo de opressão e exploração, agigantado por atuações hipnóticas de Santoro e Malheiros. O que provoca comoção e incômodo, simultaneamente, é a forma como a trama corre na contramão dos clichês. O cineasta desafia o espectador a sentir compaixão pelo vilão, humanizado em uma virada surpreendente no rumo dos acontecimentos. Ao mesmo tempo, mantém o suspense sobre as intenções de Mateus na convivência com os traficantes. O desfecho pega muita gente de surpresa. Goste ou não, faça o seu julgamento. Mas é um final corajoso, fincado na realidade e que faz pensar quem ali é prisioneiro de quem.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: 7 Prisioneiros
Direção: Alexandre Moratto
Duração: 94 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Brasil, 2021
Elenco: Christian Malheiros, Rodrigo Santoro, Josias Duarte, Vitor Julian, Lucas Oranmian, Clayton Mariano
Distribuição: Netflix