Italiano de nascimento, Pierre Cardin (1922-2020) é, provavelmente, o estilista mais importante do século 20. Para além de suas criações revolucionárias nas passarelas, foi precursor da diversidade étnica na moda, do empoderamento feminino, da moda masculina. Quando democratizou o sofisticado e elitizado prêt-à-porter e levou a alta-costura aos magazines populares, foi expulso do sindicato da categoria e proibido de participar dos desfiles da época. Empreendedor incomparável e trabalhador compulsivo, com seu talento, sua personalidade e criatividade únicos, Cardin transformou a moda em marca, e sua marca em moda e estilo de vida globalizados. Tudo isso, ainda nos anos 1950, 1960 e 1970.

O Império de Pierre Cardin documenta a trajetória fascinante deste italiano naturalizado francês, que chegou aos 2 anos de idade na França, com a família numerosa e humilde, fugida do conturbado período pós-Primeira Guerra Mundial italiano, para criar um dos primeiros e maiores impérios de marca mundiais. É um trabalho de fôlego dos diretores P. David Ebersole e Todd Hughes, que tiveram acesso a um vasto e rico material iconográfico e preciosas entrevistas do próprio Pierre Cardin ao longo de sete décadas. Publicamente avesso a biografias, o estilista se abriu para o documentário. Vê-lo nonagenário, ativo, inspirado, incansável, é um deleite à parte.

Fãs declarados de Pierre Cardin, especialmente como designer, os documentaristas abrem o foco para além das passarelas. São consistentes na biografia, respeitam a cronologia da ascensão e constante expansão da carreira do estilista. Apoiam-se no formato mais clássico do gênero, com um elenco de entrevistados tão eclético e articulado como o artista de quem falam. Do pupilo Jean Paul Gaultier, o parceiro de design Philippe Starck e o sobrinho Rodrigo Basilicati, provável herdeiro de seu imensurável patrimônio, aos colegas mais longevos de trabalho, top models, estilistas e estudiosos de moda. Somam-se depoimentos que desenham o complexo caleidoscópio da vida e obra de Cardin.

A edição ágil e criativa do documentário reproduz a aura de modernidade que marca o legado do artista. Registra suas contradições. Detém-se sutilmente em sua vida pessoal e nos seus amores. Alarga-se para dar conta da amplitude global e do impacto de sua marca, exibe cenas de desfiles históricos no Japão, na China, na União Soviética, nos Estados Unidos, e de suas coleções mais marcantes, inovadoras. Lembra que Pierre Cardin vestiu os Beatles e, com as originais jaquetas deles, as gerações seguintes de jovens. Colocou sua assinatura em móveis, óculos, gravatas, garrafas de água, e até num carro. Destaca o tracejado incomparável de seu corte de formas circulares e espirais, que celebravam tanto a chegada do homem à Lua como a paz e o amor dos movimentos libertários dos anos 1960.

Barrado em um dos restaurantes mais célebres de Paris, o Maxim’s, por trajar um terno fora dos padrões, duas décadas depois Pierre Cardin... comprou o Maxim’s. Fez, também dele, uma franquia francesa globalizada em vermelho e dourado. Ator frustrado, deu seu nome e investimento a teatros para incentivar novos artistas, mecenas verdadeiro. Numa entrevista de TV, ainda analógica, afirmou: “Estamos hoje ativos em mais de 63 países, há cerca de 90 mil funcionários trabalhando para a marca Cardin e temos dezenas de milhares de pontos de venda em todo o mundo”. O Império de Pierre Cardin é uma viagem – e que viagem - pela história da moda e da arte, do privilégio ao popular, do artefato ao artifício, de quem fomos e de quem somos.

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