Daniel Auteuil talvez seja o Antônio Fagundes da França, com a ressalva de que em terras francesas a dramaturgia televisiva não seja tão essencial à cultura nacional como por aqui. Indicado 13 vezes ao César, o Oscar do cinema francês, conquistou dois, por Jean de Florette (1986) e A Garota Sobre a Ponte (1999). Também levou para casa a Palma de Ouro de melhor ator em Cannes por O Oitavo Dia (1996). É um dos poucos astros franceses a conquistar o prêmio BAFTA, de melhor coadjuvante, novamente com Jean de Florette.
Próximo dos 70 anos, que completa em janeiro, Auteuil é um dos atores mais queridos, reconhecidos e versáteis, tanto no cinema como nos palcos franceses, onde tem presença tão assídua quanto nosso querido Fagundes. Uma das peças em que atuou mais recentemente, inclusive, ganhou adaptação cinematográfica com sua direção, A Outra Mulher. E a mais recente indicação do ator para o César foi com O Orgulho. Não levou, mas Camélia Jordana, sua colega em cena, recebeu o prêmio de atriz revelação.
Comédia Dramática

O Orgulho/Le Brio
No primeiro dia de aula no curso de Direito de uma universidade francesa, Neïla Salah (Camélia Jordana), filha de imigrantes argelinos, precisa se identificar na entrada, ao contrário da maioria dos alunos. Por isso, ela se atrasa para a aula inaugural do professor conservador Pierre Mazard (Auteuil), que em meio a seu já conhecido discurso reacionário e preconceituoso, atinge diretamente Neila, e ela não deixa por menos. O embate é gravado pelos alunos em seus celulares, cai na Internet e Mazard tem sua cabeça colocada a prêmio pela diretoria, já cansada de outros excessos direitistas do professor.
O ator (O Último Diamante) e diretor (Nova York, Eu Te Amo) Yvan Attal estabelece nessa cena de abertura não apenas a dinâmica dialogal, mas também as principais características de seus dois protagonistas: o europeu-francês branco, elitista, privilegiado e detentor do conhecimento, e a imigrante árabe, excluída, moradora do subúrbio e alijada de qualquer participação na hierarquia dominante.
Só há uma possibilidade de redenção para Mazard: preparar Neila para competir no disputado concurso universitário nacional de retórica. E, de preferência, ganhar. Attal coescreveu o roteiro a cinco mãos, o que é justificado, dados os sofisticados e intrincados diálogos. O professor Mazard, inclusive, baseia-se no livro do filósofo Arthur Schopenhauer, A Arte de Ter Razão, e suas 38 estratégias de discurso para treinar Neila.
Attal embaralha, sutilmente, a clássica fórmula narrativa dos opostos que, depois de muitos entreveros, se entendem e se complementam – ou se completam. Também extrai performances memoráveis de Auteuil e Camélia. Na convivência inicialmente forçada de Mazard e Leila, nunca estão muito claras as arestas que vão sendo polidas, se há concessões e quais são elas, se há benefícios e quais são eles. Indicado ao César de melhor filme, O Orgulho encena uma trégua possível nas trincheiras das diferenças e indiferenças culturais que têm marcado a França, a Europa e o mundo contemporâneo. Generoso, o filme deixa para o espectador a decisão entre paz e guerra.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: O Orgulho/Le Brio
Direção: Yvan Attal
Duração: 95 minutos
PaÃs de Produção/Ano: França/Bélgica, 2017
Elenco: Daniel Auteuil, Camélia Jordana, Yasin Houicha, Nozha Khouadra, Nicolas Vaude, Grégoire Viviani, Jean-Baptiste Lafarge
Distribuição: Pandora
Comédia

A Outra Mulher/Amoureux de ma Femme
É, Auteuil, Woody Allen só tem um, e é possível que o cineasta nova-iorquino, embora abalado pelas acusações de abuso na família, tenha mesmo a primazia na arte de extrair humor inteligente de situações críticas como a famosa Idade do Lobo masculina.
Apesar das bem-sucedidas experiências atrás das câmeras, como A Filha do Pai (2011), Marius (2013) e Fanny (2013), todos adaptados da obra de Marcel Pagnol (o mesmo autor de Jean de Florette), Daniel Auteuil não encontrou a medida certa do humor na comédia A Outra Mulher. O texto, o ritmo e os recursos teatrais de Florian Zeller, roteirista da adaptação de sua própria peça para o cinema, não ajudaram muito.
Há um certo charme no jogo entre realidade e imaginação, sedução e manipulação, do qual o filme praticamente todo se alimenta. É prazeroso assistir a performance de atores do calibre de Auteuil, seu amigo de longa data no cinema Gérard Depardieu, a sempre talentosa Sandrine Kiberlain (Quando Margot Encontra Margot) e a espanhola Adriana Ugarte (Durante a Tormenta), que Pedro Almodóvar escolheu, porque sabe das coisas, para ser a sua Julieta. É deslumbrante passear com os personagens por uma amistosa Paris ou pelas gôndolas que deslizam nos idílicos canais de Veneza.
Mas os devaneios românticos e eróticos - apesar do feliz casamento com Isabelle (Sandrine) - do editor cinquentão Daniel (Auteuil) com Emma (Adriana), a jovem aspirante a atriz, namorada do amigo Patrick (Depardieu), além de repetitivos, esbarram numa objetificação da mulher que não apenas soa datada, como de mau gosto. Quando acerta no tom, o elenco protagoniza boas cenas cômicas, porém muitas soam artificiais e até constrangedoras. Se há, e deve haver, novos rituais para a Idade do Lobo nos dias atuais, pelo menos com A Outra Mulher, Auteuil ainda não os encontrou.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: A Outra Mulher/Amoureux de ma Femme
Direção: Daniel Auteuil
Duração: 84 minutos
PaÃs de Produção/Ano: França/Bélgica, 2018
Elenco: Daniel Auteuil, Sandrine Kiberlain, Adriana Ugarte, Gérard Depardieu
Distribuição: Imovision