Matthias Schoenaerts e um mustangue selvagem. É o suficiente para que a roteirista e diretora estreante Laure de Clermont-Tonnerre conte uma história de redenção que tinha tudo para ser um enorme clichê, mas não é. Novidade no catálogo da Netflix, The Mustang tem produção executiva de Robert Redford, que em 1998 comoveu plateias como diretor e astro de O Encantador de Cavalos. O adestrador desta vez não tem nada de afável. Seu nome é Roman Coleman, um condenado por violência doméstica que passou tanto tempo em solitárias que se desconectou do mundo e de si mesmo. A cineasta examina o processo de reconexão inspirada por programas de reabilitação em penitenciárias norte-americanas, que usam o adestramento de cavalos selvagens como tratamento terapêutico.
A ferocidade de Coleman guarda semelhanças com o raivoso boxeador de Ferrugem e Osso, que colocou o belga Schoenaerts no radar do cinema mundial. Seu desafio será amansar um mustangue selvagem no prazo de três meses e deixar o animal pronto para um leilão. A narrativa em si é das mais simples, porque o mundo em ebulição em The Mustang está interiorizado no protagonista. É preciso um ator de miudezas para abdicar do verbo e tornar tangíveis as muitas camadas desse homem consumido pelo remorso. O veterano Bruce Dern (Nossas Noites) faz o responsável pelos cavalos e Jason Mitchell (Detroit em Rebelião) é o prisioneiro que ensina os primeiros passos de treinador para Coleman. É através da turbulenta relação com a filha (Gideon Adlon), porém, que o enredo desvenda como ele foi parar atrás das grades.
O elenco de apoio é ótimo, mas o melhor coadjuvante desta vez é o mustangue, a quem Coleman chama de Marquis. Esse animal esplendoroso é arredio e desconfiado, sempre pronto para dar um coice. Um espelho óbvio do adestrador, bem verdade, mas a diretora filma a dinâmica entre homem e cavalo de forma orgânica, como uma dança hipnótica em que os bailarinos precisam aprender a confiar em si e no outro para acertar o passo. Sobra lirismo no encontro desses dois espíritos selvagens que sofrem tanto para dar e receber carinho. Um complexo carcerário desativado em Nevada serviu de cenário para The Mustang, e Schoenaerts revelou em entrevistas que a energia pesada do ambiente e das celas foi fundamental para a composição do personagem.
Detentos que integraram projetos desse tipo serviram de consultores para a produção, e a diminuição do índice de reincidência criminal desses internos é uma realidade documentada. Tanto a diretora como seu astro estão empenhados em transmitir uma mensagem de esperança na transformação, mas o fazem sem poupar o espectador da tensa rotina do presídio. O final previsível não é um problema, e até lá o espectador se vê obrigado a refletir sobre segundas chances para criminosos violentos. Não é fácil, mas Schoenaerts faz crer nessa possibilidade em uma cena linda, em que Coleman é pego de surpresa por Marquis, que faz o primeiro contato físico entre eles por conta própria. Sua reação é de uma emoção contagiante.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: The Mustang
Direção: Laure de Clermont-Tonnerre
Duração: 96 minutos
PaÃs de Produção/Ano: França/Bélgica, 2019
Elenco: Matthias Schoenaerts, Bruce Dern, Jason Mitchell, Gideon Adlon, Connie Britton
Distribuição: Focus Features