Leos Carax (Holy Motors) tinha 25 anos quando dirigiu seu segundo longa, Sangue Ruim, em 1986. Discípulo declarado da Nouvelle Vague, o cineasta francês faz citações a Acossado, de Jean-Luc Godard, e Os Incompreendidos e Jules e Jim, de François Truffaut. E segue a lição maior do movimento, de subverter as regras narrativas. Mas o faz com personalidade própria, com uma mescla quase surrealista de cinema noir e ficção científica.
Lá se foram 35 anos, mas uma coincidência infeliz aproxima a produção do presente. No roteiro também escrito por Carax, um novo vírus destruidor tem contaminado aqueles que fazem sexo sem amor – clara alusão à Aids. Uma empresa de Paris consegue isolar o vírus em laboratório para produzir a vacina, e o antídoto será o ponto de convergência dos personagens. Uma mafiosa americana está na França para fazer um acerto de contas que provoca a morte do pai de Alex, o protagonista vivido por Denis Lavant, ator fetiche do diretor. Jovem calado que cresceu com o apelido de Boca Fechada, Alex é um exímio ventríloquo.

Alex é procurado pelos parceiros de crime do pai, Hans e Marc. Aqui vamos abrir um parêntesis: eles são interpretados por Hans Meyer e o grande Michel Piccoli, que morreram, respectivamente, em 3 de abril e 12 de maio deste ano, ambos aos 94 anos de idade. Alex decide deixar para trás sua prosaica rotina, e a amada Lise (Julie Delpy, aos 16 anos), para se unir a Hans e Marc em uma jogada ambiciosa: roubar o soro, vender para outro laboratório a preço de ouro, pagar a dívida com a mafiosa e ficar com uma grana. O assalto em si é mal ajambrado e serve apenas como elo do protagonista com o submundo, o que inclui Anna (uma mocinha Juliette Binoche), que tem uma relação enigmática com Marc e por quem Alex se apaixona perdidamente.
Na realidade fictícia de Carax, a recente passagem do cometa Halley mexe com o clima e deixa Paris ora sob calor escaldante, ora nevada, e aqui o cineasta faz uma metáfora do turbilhão de emoções que acomete o protagonista. Em uma cena apoteótica (homenageada há pouco em Frances Ha), Alex corre pelas ruas em uma explosão de amor e dor ao som de “Modern Love”, de David Bowie. Definitivamente mais interessado na forma do que no enredo, o diretor conta com o experimentalismo do diretor de fotografia Jean-Yves Escoffier para injetar lirismo no jogo de sombras típico do cinema noir.
Seu maravilhamento com Juliette Binoche fica explícito em tomadas de câmera magistrais. Fique de olho nessas cenas: o salto de paraquedas, o close no rosto em forma de coração da atriz e os reflexos de Juliette Binoche em vários ângulos no vidro de um trem.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Sangue Ruim/Mauvais Sang
Direção: Leos Carax
Duração: 116 minutos
PaÃs de Produção/Ano: França/SuÃça, 1986
Elenco: Michel Piccoli, Juliette Binoche, Denis Lavant, Julie Delpy, Hans Meyer
Distribuição: Pandora Filmes
