domingo, 15 de junho de 2025
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Retratos Fantasmas


Retratos Fantasmas
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Netflix

Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é outra coisa. Não no caso de Retratos Fantasmas, quinto longa-metragem de Kleber Mendonça Filho, que vai representar o Brasil na disputa por uma vaga no Oscar 2024 de Filme Internacional. Depois da première mundial em Cannes, a produção foi exibida fora de competição em Gramado, como o primeiro documentário a abrir o evento, em sua 51a edição. Alto lá. Documentário sim, ficção sim. Nas palavras do diretor, Retratos Fantasmas é “um filme”. 

Retratos Fantasmas

A vida imita a arte e a arte imita a vida nessa obra afetuosa e bem-humorada, mesmo no olhar um tanto apocalíptico sobre o futuro da tela grande, em especial do cinema de rua. Os fantasmas do título não são apenas espectros sobrenaturais, como a estranha imagem registrada em uma foto caseira. São também fantasmas sentimentais. A saudade da mãe, a mudança do apartamento em que a família viveu por cerca de quarenta anos, a “morte” dos cinemas do centro do Recife, onde Mendonça Filho esculpiu sua cinefilia na juventude. Retratos Fantasmas é íntimo e pessoal, assim como uma peça de valor histórico.

O primeiro dos três capítulos é voltado ao apartamento (com jeitinho de casa) no Setúbal, bairro da Zona Sul recifense. Esse porto seguro é personificado por Joselice Jucá, mãe, historiadora e amante de cinema, que estimulou o filho a usar a residência como cenário. “Acredita que tive de pagar uns R$ 9 mil à Globo para usar a entrevista em que minha mãe fala da importância da história oral?”, ele conta ao OQVER, em entrevista realizada durante o Festival de Gramado (veja vídeo abaixo). Ao precioso acervo de imagens de arquivo unem-se filmes caseiros e sequências inéditas, como a reencenação de Maeve Jinkings de partes de O Som ao Redor (2012) rodadas no apartamento.

Retratos Fantasmas

Mendonça Filho narra em primeira pessoa, com tom de voz tranquilo, pontuado pelo humor irônico, com direito a sinceros palavrões. Do lar, que passa por reformas e reflete a verticalização urbana, o filme migra para o centro da cidade, tema do segundo capítulo. A câmera percorre um mapa sentimental de cinemas de rua como o Veneza, São Luiz, Moderno e Art Palácio. Sobre este último, imagina, ele ouviu do senhor Alexandre, impagável projecionista, que a sala foi erguida para atender aos interesses da UFA (Universum Film AG), grande estúdio alemão, braço da propaganda nazista de Joseph Goebbels e Hitler nos anos 1930.

“Não quero usar a nostalgia de maneira vulgar”, pondera. “Porque existem muitos procedimentos no cinema para transformar a nostalgia em um produto.” Um certo saudosismo, porém, é inevitável. Emociona rever a cena de Sônia Braga em Aquarius (2016), na entrada de uma loja de eletrodomésticos que outrora abrigava um cinema. Muitas dessas salas, como explica o capítulo 3, passaram de templos cinematográficos a templos evangélicos – alguns mantiveram até as antigas poltronas.

Retratos Fantasmas

O que dizer do inusitado desfecho de Retratos Fantasmas. São cinco minutos antológicos, em que Mendonça Filho dá uma deixa de seu talento como ator. Ele embarca no Uber conduzido por Rubens Santos, presente em todos os seus longas de ficção. A hilária dinâmica entre eles sintetiza a condição fantasmagórica do universo cinematográfico. Eles percorrem a cidade. Dói o coração de qualquer cinéfilo observar redes de consumo – um absurdo número de farmácias – ocupando ostensivamente o espaço urbano, enquantos as salas de cinema desaparecem. O horror, o horror.

Imagens: Divulgação/Vitrine Filmes




Trailer

Ficha Técnica

Título: Retratos Fantasmas
Direção: Kleber Mendonça Filho
Duração: 93 minutos

País de Produção/Ano: Brasil, 2023
Elenco: Kleber Mendonça Filho, Rubens Santos, Maeve Jinkings
Distribuição: Vitrine Filmes

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Suzana Uchôa Itiberê

Suzana Uchôa Itiberê

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Cinéfila incorrigível, jornalista de plantão, crítica de cinema (não muito) chatinha e editora caprichosa. Cria do jornal O Estado de S. Paulo, trabalhou nas revistas TVA, Set, Istoé Gente e foi cofundadora da revista Preview. Membro da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema).