É uma Paris muito distante de cartões portais como o Museu do Louvre e a Torre Eiffel que o estreante em longas Ladj Ly retrata em Os Miseráveis, ambientado em Montfermeil, mesmo bairro do subúrbio que serviu de palco para o clássico e homônimo romance de Victor Hugo (1802-1885). Indicada ao Oscar 2020 de melhor filme internacional, a produção dividiu com o brasileiro Bacurau o Prêmio do Júri do Festival de Cannes 2019. Enquanto os diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles fazem sua potente crítica social em tom de fábula, Ladj Ly finca os pés na realidade e cutuca a ferida sem piedade. É arrebatador.
Baseado em seu curta-metragem de mesmo nome e inspirado pelas revoltas juvenis que assolaram a capital francesa em 2005, o diretor segue os passos de Stéphane (Damien Bonnard), que acaba de ingressar no Esquadrão Anticrime. Vindo do interior, ele se espanta com a truculência e a abordagem abusiva de seus novos colegas, Chris (Alexis Manenti) e Gwada (Djibril Zonga). Há dez anos, a dupla faz rondas diárias pela vizinhança de Montfermeil e circula com certo conforto entre a tensa e diversificada fauna local - imigrantes africanos, muçulmanos, ciganos e franceses.
Em férias de verão, as crianças estão à toa naquele cenário árido, cercado por prédios populares. Claro que vão se meter em encrenca. Figurinha frequente na delegacia, o adolescente Issa (Issa Perica) capricha na arte e simplesmente rouba um filhote de leão do circo itinerante que está nas redondezas. Durante perseguição, Gwada perde o controle e fere Issa no rosto com uma bala de borracha. A ação é registrada pela câmera do drone de um outro garoto, e a partir daí a trama vira um jogo de gato e rato entre os meninos, os habitantes locais e a trinca de tiras, que precisa pegar o chip com as imagens e evitar a exposição.
Esse mote policial mantém a narrativa em constante movimento, mas é do fator humano que vem a força de Os Miseráveis. O diretor não toma lado, não faz julgamentos e deixa que os próprios personagens tragam à tona suas diversas camadas. Não há heróis nem vilões, e sim um monte de gente que apenas sobrevive no país que tem andado na contramão do lema da bandeira nacional: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. O motim ao final é de tirar o fôlego e a mensagem do cineasta, muito clara: se os jovens são o futuro, ele deve ser sombrio.
Trailer
Ficha Técnica
TÃtulo: Os Miseráveis/Les Misérables
Direção: Ladj Ly
Duração: 104 minutos
PaÃs de Produção/Ano: França, 2019
Elenco: Damien Bonnard, Alexis Manenti, Djibril Zonga, Issa Perica
Distribuição: Diamond Films