Steven Spielberg em pessoa aparece na telona antes do início de Os Fabelmans. Agradece ao público por ter ido ao cinema assistir ao que ele apresenta como seu trabalho mais pessoal. O diretor aproveitou o isolamento durante a pandemia de coronavírus para colocar no papel a ideia que ele e o fiel colaborador Tony Kushner (indicado ao Oscar pelos roteiros de Lincoln e Munique) adiavam havia anos. Vencedor dos Globos de Ouro de melhor filme dramático e direção, e na disputa por sete Oscars, Os Fabelmans é uma declaração de amor ao cinema inspirada nos anos formativos do próprio Spielberg, cuja arte foi moldada pelas vivências em família.
Paul Dano faz Burt Fabelman, o pai conservador e pragmático que não enxerga o cinema como profissão. Como hobby, ainda vá lá. Michelle Williams deve concorrer ao Oscar pelo papel de Mitzi, a mãe pianista, relegada aos ofícios do lar, mas da qual o filho, Sammy (Gabriel LaBelle na fase adolescente), herda o espírito artístico. É ela quem empresta a câmera Super 8 de Burt para o menino exorcizar o trauma da primeira sessão na telona. O filme era O Maior Espetáculo da Terra (1952), de Cecil B. DeMille, e a cena do desastre do trem tirou o sono do garoto de 6 anos.
Seu deslumbramento ao refilmar a sequência da colisão com um carrinho Matchbox e uma locomotiva elétrica é comovente. Com a câmera na mão, o pequeno Spielberg – ops, Sammy – forja a realidade ideal. Na vida não seria assim. Na juventude, ao editar as imagens caseiras de um acampamento em família, ele se confronta não só com um segredo da mãe, mas com sua incapacidade de controlar o mundo real. Aqui vale citar a presença de Bennie (Seth Rogen), funcionário de Burt e melhor amigo do casal, que influencia o destino dos Fabelmans.
Não deve ter sido fácil para Spielberg revisitar e expor seu passado, marcado por mudanças que o fizeram amadurecer precocemente. A fidelidade é tamanha que a direção de arte teve acesso a filmes caseiros do cineasta para recriar à perfeição cômodos da casa da família. A genialidade do roteiro está na sensibilidade com que vida e arte se fundem aos olhos do público. E aí é preciso ser escolado na filmografia do diretor para captar as referências.
Algumas estão na trama, como as técnicas rudimentares com que Sammy produz efeitos especiais para o curta de guerra Escape to Nowhere (1961). Outras estão em sutilezas, como a sombra de uma mão que aponta para cima e lembra E.T. (1982). O bullying que ele sofre na escola por ser judeu está no estofo de A Lista de Schindler (1993) e O Resgate do Soldado Ryan (1998). E pode ter certeza de que a intensa relação com a mãe está refletida nos olhos carentes do garotinho robô de A.I. – Inteligência Artificial (2001).
Mas nada prepara os fãs para o desfecho. É antológico o encontro de Sammy com John Ford, gênio maior do cinema americano, diretor de clássicos como No Tempo das Diligências (1939) e As Vinhas da Ira (1940). Primeiro, porque quem o incorpora é o cultuado David Lynch. Uma das exigências do diretor de Veludo Azul (1986) e da série Twin Peaks (1989) foi usar o figurino durante uma semana antes das filmagens. Segundo, porque o que o jovem ouve do mestre é uma aula de cinema e de vida. Prestem atenção.
Trailer
Ficha Técnica
Título: Os Fabelmans/The Fabelmans
Direção: Steven Spielberg
Duração: 131 minutos
País de Produção/Ano: EUA/Índia, 2022
Elenco: Michelle Williams, Gabriel LaBelle, Paul Dano, Seth Rogen, Judd Hirsch, David Lynch, Keeley Karsten, Mateo Zoryan
Distribuição: Universal Pictures
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