O Chão Sob Meus Pés

No final dos anos 1990, o cineasta alemão Tom Tykwer ganhou o mundo com seu estilizado Corra, Lola, Corra, vencedor do prêmio Spirit (o Oscar do cinema independente) de melhor filme estrangeiro, e o prêmio do público do Sundance. A Lola ruiva, energética, livre e despretensiosa de Tykwer vivia três versões da mesma corrida contra o relógio para salvar o namorado de uma furada. Duas décadas depois, a Lola de O Chão Sob Meus Pés, da diretora e roteirista austríaca Maria Kreutzer, indicado ao Urso de Ouro em Berlim 2019, também corre contra o relógio, mas é voraz, contida, austera e workaholic.

Lola (Valerie Pachner, Uma Vida Oculta) é a respeitada executiva de uma multinacional de reengenharia, ou seja, especializada em enxugar gastos em empresas para manter viabilidade econômica e aumentar lucros. Seu sucesso deve-se à competência, à dedicação ferrenha ao trabalho e à impenetrável discrição. Lola mora em Viena, trabalha na Alemanha e cobiça um um posto na Austrália. Sua vida é o trabalho, mas também seu amor, já que é amante da sua diretora, Elise (Mavie Hörbiger).

Em meio ao projeto que lhe daria a promoção, no entanto, Lola tem de administrar mais uma crise de sua irmã mais velha, Conny (Pia Hierzegger), que sofre de esquizofrenia paranoica. Quando criança, Lola perdeu a mãe para a mesma doença. Agora ela é tutora de Conny, internada dessa vez por tentativa de suicídio. Não há título mais apropriado para a angustiante descida ao inferno de Lola, que Maria Kreutzer conduz com um primor narrativo ímpar, minimalista, austero e contido como sua protagonista, também numa estrutura triádica.

São três personagens intensas e três atrizes excepcionais que espelham as multifaces da exaustiva jornada  da mulher do século 21. A diretora usa o clima frio, a arquitetura sóbria da paisagem urbana, a impessoalidade da decoração dos quartos e os longos corredores dos hotéis para criar a atmosfera de um drama psicológico sutil, mas envolvente a ponto de Lola e o espectador, às vezes, questionarem a própria razão.

Lola nunca faz uma coisa de cada vez, nunca descansa. Na academia e nas ruas é atleta veloz. No amor, distante. Entre um voo e outro, madrugadas a fio, está sempre com o celular ou o laptop a postos para atender às exigências sufocantes do trabalho e da irmã, sem jamais confundir a fronteira entre ambos. Quando o faz, no único momento em que extravasa suas emoções com Elise, sua própria amante a desmerece. Quando finalmente cede à súplica da irmã e a leva de volta para casa, as consequências são nefastas. A última sequência é uma alegoria da mais profunda solidão.

Ficha Técnica

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