Nise da Silveira (1905-1999) é, sem dúvida, uma sertaneja das mais fortes. Alagoana, filha única, entrou na faculdade de medicina aos 15 anos, numa turma de 156 homens, sem nem banheiro para mulher. Formada, mudou-se para o Rio de Janeiro com a mãe viúva, passou no concurso público de médica psiquiatra, ficou presa 18 meses na ditadura Vargas por ter livros suspeitos, e 8 anos afastada do trabalho. Reassumiu seu posto médico em 1944, no Hospital do Engenho de Dentro, na zona norte do Rio de Janeiro, onde se praticava regularmente lobotomia e sessões de choque com os cerca de 2 mil pacientes da instituição.
Quando Nise se recusou a realizar esses procedimentos, deram-lhe a unidade de terapia ocupacional do hospital, quase um porão de entulhos no qual os internos eram praticamente abandonados. Nise: O Coração da Loucura narra os primeiros anos de trabalho da médica e a trajetória de inovação, humanização e êxito que ela conquistou com o tratamento terapêutico ocupacional-artístico com pacientes, em sua grande maioria, esquizofrênicos. Contra tudo e contra todos.
O diretor e corroteirista Roberto Berliner (A Farra do Circo) trouxe da experiência de documentarista a fidelidade aos fatos, mas sem descuidar do teor dramático da sua ficção. O ponto de vista do espectador acompanha o de Nise (Glória Pires, magnífica), a princípio estupefata com o descaso institucional, depois receosa sobre como cuidar dos seus “clientes” (“Pacientes nós é que temos que ser”, diz), e por fim encantada ao ver como a arte abriu-lhes caminhos de expressão antes inimagináveis. O resultado comoveu ninguém menos que Carl Gustav Jung (1875-1961), discípulo e amigo de Freud e pai da psicologia analítica. Ele se correspondia com a colega brasileira e foi decisivo para a exposição das obras no II Congresso Internacional de Psiquiatria, em Zurique, em 1957.
Antes disso, o famoso crítico de arte Mário Pedrosa (1900-1981) ficou impressionado com o calibre artístico das obras de um grupo específico - Raphael Domingues, Lúcio Noeman, Carlos Pertuis, Adelina Gomes, Emygdio de Barros, Fernando Diniz, Octávio Ignácio – e ajudou a promover uma exposição das obras deles no Rio. O impacto do trabalho de Nise foi tal que levou à criação do Museu de Imagens do Inconsciente, em 1952, no Rio de Janeiro, que hoje conta com mais de 350 mil obras. História real digna de cinema.
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Ficha Técnica
TÃtulo: Nise: O Coração da Loucura
Direção: Roberto Berliner
Duração: 106 minutos
PaÃs de Produção/Ano: Brasil, 2015
Elenco: Glória Pires, Felipe Rocha, Augusto Madeira, Fernando Eiras, Júlio Adrião, Roney Villela, Simone Mazzer, FabrÃcio Boliveira, Roberta Rodrigues, Claudio Jaborandy, Charles Fricks, Zécarlos Machado
Distribuição: Imagem Filmes